Escola brasileira 'importa' método japonês de preparação de aula
Desde fevereiro, a professora Adriana Silva estava planejando a aula que deu no início de agosto para os alunos de 5° ano da EPG Hamilton Félix de Souza, em Guarulhos, na região metropolitana de São Paulo. O tempo de preparação foi tão longo porque a lição foi pensada de acordo com a abordagem do Estudo de Aula, que ela aprendeu durante uma viagem que fez a Chicago, nos EUA, a convite da Fundação Lemann, mantenedora da Nova Escola.
Adriana e mais dois colegas da rede municipal participaram de um workshop de cinco dias em que conheceram a abordagem, vinda do Japão. "O Estudo de Aula é considerado o melhor modo do professor se desenvolver profissionalmente: trabalhando em grupo para resolver problemas difíceis que encontram em sala de aula", conta Akihiro Takahashi, educador japonês que acompanha professores americanos nessa abordagem e liderou o curso frequentado por Adriana. Todo o planejamento culminou na aula ao vivo, acompanhada por Takahashi e Thomas Mcdougal, da Lesson Study Alliance, instituição que divulga essa estratégia de estudo nos Estados Unidos. "Ficamos muito otimistas ao ver a aplicação do Estudo de Aula aqui no Brasil", diz Thomas.
Conheça, abaixo, cada um dos elementos presentes nessa abordagem.
1. Escolha de um tema difícil e um tópico específico
Ao longo de um período extenso —como um ano ou mais— é possível abordar um tema complexo: o desenvolvimento da competência de argumentação, por exemplo. Mas o trabalho deve se focar em um aspecto específico de uma única aula. No caso de Adriana, o grupo formado por ela e pelos colegas Helen Graciely Martins e Rogério da Mata decidiu planejar uma atividade que falasse sobre o que fazer com o resto de uma operação de divisão. "Notei que muitos alunos só ignoravam aquele número", conta a professora. Os especialistas alertam que não vale selecionar o tema que você mais goste de ensinar. "O objetivo é resolver um problema que o professor tenha. Se ele seleciona algo com que lida bem, ele não aprende nada de novo", ressalta Thomas.
2. Pesquisa em fontes diversas
Com o problema selecionado, é hora de aprender mais sobre ele. Aqui, vale a pena fazer dois movimentos: pensar na sua turma e buscar referências em fontes diversas e bastante aprofundadas. "Em primeiro lugar, é preciso olhar para os estudantes e entender quais são as dificuldades que eles têm e por que esse tema é importante para eles, assim como quais atividades podem engajá-los", diz Akihiro. Depois, é hora de ler o máximo possível sobre o assunto. "Procuramos exemplos de atividades e também teses e artigos acadêmicos", conta Adriana. Todo o trabalho deve ser feito de forma colaborativa: a cada passo, o grupo se reúne e vai discutindo as descobertas que fez. Esse processo pode ser acompanhado por um parceiro externo ao grupo de trabalho (como um coordenador pedagógico ou especialista). No caso brasileiro, profissionais do Mathema, assessoria sobre o ensino de Matemática, auxiliaram os professores.
3. O que levar em conta ao planejar
Toda a pesquisa embasa o planejamento da aula. A abordagem do Estudo de Aula parte da premissa de que os alunos precisam desenvolver sua autonomia e pensar por si mesmos. Por isso, a ideia é —tendo o objetivo da aula bem claro— pensar nas atividades que vão levar a turma a atingi-lo. "No começo, a gente pensava em alguns exercícios, mas chegamos à conclusão de que uma única situação-problema era suficiente. Assim, teríamos tempo para que os alunos discutissem sobre ela, o que é mais importante", conta Adriana.
É importante também antecipar as estratégias usadas pelos estudantes. Além de pensar em um problema que os alunos resolverão sozinhos, levante diferentes possibilidades sobre como eles o resolverão (tanto da maneira correta como os erros que eles cometerão. Veja aqui um exemplo desse planejamento) e pense em como guiar as discussões para que os estudantes apresentem suas hipóteses, discutam sobre elas e atinjam o objetivo da aula. "Sempre apresentamos um problema que é um pouco diferente de tudo que eles já viram, para que eles criem suas maneiras de resolver e depois argumentem sobre elas", explica Thomas.
4. Discussão com os colegas
A principal ideia sobre o Estudo de Aula é que o trabalho deve ser colaborativo. Por isso, planejar junto com colegas é fundamental. No caso de Adriana, o planejamento foi realizado com educadores de outras escolas, mas no Japão é comum que os professores de uma mesma escola façam essa discussão. "Nunca tive que argumentar tanto!", conta Adriana. A ideia é que os próprios professores possam trocar ideias e saibam justificar cada uma das escolhas feitas para a aula. Assim, também, o grupo pode se co-responsabilizar pelo planejamento. A elaboração de uma única aula de 50 minutos pode durar aproximadamente 10 semanas.
5. Aplicação do planejamento
A culminância do trabalho é a aula ao vivo. É o dia em que os estudantes finalmente terão contato com o que foi planejado nas semanas anteriores. Para esse dia, há uma dinâmica especial. "É como se fôssemos realizar um experimento e chamamos outros 'cientistas' para observar", compara Thomas. Antes da aula, o grupo de convidados é apresentado ao planejamento. Depois, enquanto o professor conduz as atividades, os participantes externos observam e tomam notas. "Os alunos até estranharam um pouco no começo, mas fizemos algumas outras sessões com outros observadores para que eles se acostumassem. Além de tudo, ver que havia pessoas empolgadas com o que eles estavam fazendo fez com que eles se engajassem ainda mais", conta Adriana. "Eu mesma também fiquei nervosa, mas sabia que o objetivo não era avaliar o meu trabalho, então consegui lidar bem."
6. Nova discussão
Imediatamente após o fim da aula, os convidados e os professores que participaram do planejamento se reúnem para discutir. A ideia é observar como os alunos se comportaram, como responderam às atividades e se conseguiram atingir o objetivo. "Nesse momento você se dá conta sobre o tanto de coisas que acontecem na aula e você não consegue perceber", diz Adriana. Quais alunos tiveram mais segurança, quais mais apagaram os exercícios antes de terminar, como cada um pensou, são alguns dos itens que são levantados.
Para consolidar, os professores podem elaborar um documento final com todo o histórico do trabalho, para que ele fique arquivado na escola ou disponibilizado online. O objetivo é gerar material que outros docentes possam usar como base para suas próprias pesquisas.
Apesar de se dedicarem ao planejamento de uma única aula, todo o processo dá insumos para que os professores melhorem seu trabalho de maneira geral. "Aprendi muito sobre planejamento. Minhas aulas foram mudando gradativamente ao longo dos últimos meses", conta Adriana. Com uma aula aplicada, o processo todo se reinicia, com um novo problema sendo escolhido para ser tratado pelas semanas seguintes.