Esporte que mistura rúgbi e brincadeira de criança vira mania na Índia

Para quem não o conhece, o kabaddi, um velho jogo indiano que está tomando de assalto o segundo país mais populoso do planeta, parece simples demais para ser um esporte profissional.

Uma mistura de rúgbi, futebol americano de toque e da brincadeira de crianças conhecida como British Bulldog na Inglaterra e como Red Rover nos Estados Unidos, o kabaddi não usa bolas, redes, discos, traves, aros, buracos, raquetes, tacos, bastões ou tábuas.

É tão desconhecido no Ocidente que, em 8 de agosto de 2017, o canal de TV por assinatura ESPNU, que cobre esportes e é controlado pela ESPN, o definiu como "o melhor dos esportes mundiais pouco assistidos", e mostrou alguns jogos, como a final da Copa do Mundo de Kabaddi de 2016. Uma partida de exibição foi disputada na Olimpíada de 1936 em Berlim, mas o esporte não pegou internacionalmente.

Mas as pessoas que acompanham esse raro jogo indiano, que vem conquistando cada vez mais atenção, o descrevem como uma disputa altamente estratégica que requer força, velocidade, oportunismo, uma compreensão de ângulos geométricos e capacidade de esquiva que impressionaria Muhammad Ali ou até Fred Astaire.

Os indianos apreciam o fato de que é a única competição no vasto mundo do esporte que requer que o atacante repita ininterruptamente uma palavra —"kabaddi ", derivada de "kai-pidi", que significa "de mãos dadas" no idioma tamil— nos 30 segundos de sua corrida contra a defesa. O esporte tem por inspiração o poema épico hindu "Mahabharata", do século 9 AC, onde ele é mencionado como uma formação bélica chamada Chakravyuha. O kabaddi é jogado há centenas de anos na Índia rural, em campos de terra e na lama.

Agora, com a criação da Pro Kabaddi League (PKL) em 2014, e cobertura televisiva, o esporte —cuja sexta temporada profissional começa no domingo— conquistou os corações, as almas, e as telas de televisores dos indianos. Sua popularidade junto ao público só é superada pela do críquete, um esporte importado do Reino Unido que os indianos ainda cultuam com fervor quase religioso. No ano passado, cerca de 313 milhões de telespectadores acompanharam os jogos da PKL, de acordo com pesquisas de audiência televisiva indianas.

Dados os avanços recentes do kabaddi, ele deve continuar a ganhar mercado na Índia e pode um dia começar a atrair atenção no Ocidente.

"O kabaddi é um esporte interessante, com algo de luta de gladiadores —um homem batalhando heroicamente contra sete adversários— e tem associações tão antigas, para os indianos, que eu rapidamente me encantei", disse Ronnie Screwvala, empreendedor multimídia indiano que foi a primeira pessoa a adquirir um time, o U Mumba, quando a liga profissional foi formada em 2014. "Os indianos precisam de algo que possam chamar de exclusivamente seu".

As regras do jogo e a contagem de pontos não são compreensíveis de forma intuitiva por um espectador ocidental que o assista pela primeira vez.

O básico é o seguinte: duas equipes de sete jogadores se alinham uma de cada lado de uma quadra de 13 por 10 metros, com piso de borracha maciça e dividida por uma linha central. Por trás desta há a chamada "linha de obstáculo", e por trás desta uma linha de bonificação.

Para marcar um ponto, um time envia um atacante solitário, conhecido como "raider", que precisa cruzar a linha central, tocar um ou mais adversários, em 30 segundos, e depois cruzar de novo a linha central de volta ao seu lado da quadra, enquanto os adversários tentam agarrá-lo.

As formas de agarrar um adversário praticamente não têm limitação, pelas regras. O sistema de contagem de pontos é bem complicado, para um neófito no kabaddi. Em seguida, é a vez do segundo time, que envia um atacante para cruzar a linha central, e assim por diante, durante dois movimentados tempos de 20 minutos.

O esporte ganhou sofisticação, desde sua origem nos campos de lama da Índia rural, quando a Star TV India, um serviço de TV asiático controlado pela 21st Century Fox, formou uma parceria com a PKL, controlada pela Mashal Sports, uma companhia de administração esportiva sediada em Bangalore.

No ano passado, a Star assinou um contrato de cinco anos com a Vivo, uma empresa chinesa de tecnologia, por US$ 47 milhões (R$ 180 milhões). Foi o primeiro grande patrocínio conquistado pela PKL.

O desafio para a Star TV era "único na história dos esportes televisados", disse Uday Shankar, presidente-executivo do grupo de TV indiano.

"Para um esporte em estado embrionário, tivemos de inventar o vocabulário para os comentaristas, encontrar diretores que tivessem experiências paralelas, principalmente em rúgbi, alterar algumas regras para facilitar o trabalho da TV e até mesmo descobrir que estatísticas os torcedores gostariam de acompanhar".

A Star também tornou o esporte mais atraente em termos visuais, para a TV, com placas luminosas de neon e máquinas de fumaça nos ginásios. Mascotes fantasiadas estimulam as torcidas antes das partidas e nos intervalos. As transmissões são realizadas com pelo menos 12 câmeras.

Screwvala pagou um banho de loja para os jogadores de seu time, "para torná-los mais atraentes". Eles agora têm cortes de cabelo modernos, e usam óculos escuros Oakley quando não estão competindo.

A audiência cumulativa das partidas da PKL subiu de 217 milhões de espectadores na quarta temporada para 313 milhões na temporada seguinte, de acordo com Partho Dasgupta, presidente-executivo do Conselho de Pesquisa de Audiência Televisiva da Índia.

A final da quinta temporada da PKL foi o evento esportivo de maior audiência na TV indiana, excluídas as partidas de críquete, com 26,2 milhões de telespectadores (ante 55,6 milhões para o críquete), disse Dasgupta.

Shankar reconheceu que vai demorar mais alguns anos para que o kabaddi comece a propiciar lucros, como esporte televisivo.

Mas em maio, quando os proprietários de clubes estavam formando seus elencos para a sexta temporada, Screwvala se adiantou à curva uma vez mais e pagou US$ 138,69 mil (R$ 533 mil) por Fazel Atrachali, 26, um defensor iraniano que liderou a seleção de seu país que derrotou a Índia e ficou com a medalha de ouro nos Jogos Asiáticos, em agosto.

É a maior soma já paga pela contratação de um jogador não indiano. O valor pode não parecer muito alto se comparado ao que os atletas do críquete e os atletas profissionais de outros países recebem, mas é uma remuneração generosa, se levarmos em conta a renda per capita de US$ 1,7 mil (R$ 6,4 mil) da Índia.

O U Mumba também contratou Amir Gholamreza Mazarandani, o treinador da seleção iraniana medalha de ouro nos Jogos Asiáticos e o primeiro estrangeiro a treinar na PKL.

Dos 239 jogadores selecionados para jogar pelos 12 times da PKL —cada equipe consiste de entre 18 e 24 jogadores—, 26 vêm de 14 outros países, entre os quais Bangladesh, Coreia do Sul, Indonésia, Irã, Japão, Malásia, Omã, Nepal, Sri Lanka, Tailândia e Taiwan, na Ásia, e Maurício e Quênia, na África.

"Todo esse envolvimento estrangeiro em um esporte nascido na Índia é um bom presságio para o esporte no país", disse Screwvala. "Nos negócios, a competição aberta sempre faz o que é bom se tornar ainda melhor".

Torcedor entusiástico, ele muitas vezes assiste de perto às partidas do U Mumba, acompanhado pela mulher e pela filha, Zarina e Trishya Screwvala. Os três pulam das cadeiras e comemoram ruidosamente cada ponto e cada jogador derrubado.

Será que a globalização do kabaddi levará o esporte à América e à Europa?

"É uma esperança que podemos ter, mas não importa", disse Screwvala. "Ficamos felizes por ver um produto nacional viajando a outras costas, e ganhando espaço lá".

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