Estudantes bagunceiros se acalmam após sessões em projeto no interior de SP
Daniel, 12, estava ansioso para falar tudo o que havia aprendido sobre bullying e homofobia. Rafael, 10, queria contar a respeito de como está mais tranquilo nas aulas. Rian, 11, revelou que deixou de perturbar os colegas em sala de aula e parou de brigar na hora do recreio.
Os três fazem parte de um projeto pioneiro que reúne crianças e adolescentes “famosos” nas escolas em que estudam por puxarem a bagunça em sala ou pelo comportamento muito agitado. Eles participam de sessões semanais de discussões e aprendizado de valores ligados à cidadania e aos direitos humanos.
A iniciativa, chamada de “Cultura de Paz”, é fomentada pelo Núcleo de Formação e Promoção São Vicente de Paulo, organização de contraturno escolar e amparo social de Laranjal Paulista (a 135 km de São Paulo). A ação é apoiada e monitorada pelo Juizado da Infância e Juventude, com suporte da guarda municipal.
Trinta crianças e adolescentes de 8 a 15 anos participam do projeto voluntariamente desde o início deste ano. Eles mostram entusiasmo ao dizer que estão se sentindo mais amparados e menos agitados com o espaço de diálogo e a troca de informações e de debates.
“Quem aqui no grupo já praticou bullying com algum colega de escola”, perguntou a reportagem durante uma das sessões. Todos levantaram as mãos e quiseram falar. Em seguida, afirmam que não tinham noção do mal que poderiam ocasionar ao colega.
“Todos os pais foram informados do programa e concordaram com a participação dos filhos. Os resultados têm sido muito claros para nós, com mudanças bruscas de comportamento, com crianças mais participativas e menos agressivas, mais abertas a serem compreendidas, mais dispostas a conversar e se abrir para o grupo”, diz a irmã Juliana Fortunato de Souza, 33, coordenadora do núcleo.
Quem conduz os encontros semanais são dois guardas municipais capacitados para aplicar os conceitos de justiça restaurativa, que visa a solução de conflitos e violência por meio do diálogo, da escuta dos agressores e com o uso da criatividade.
“Nossa missão é passar a eles a importância de tentar entender a necessidade do outro, passar princípios básicos de relacionamento humano e como ser responsável e respeitoso com o colega, com o amigo, na família”, afirma o guarda Alexandro Pedroso, 36, adorado pela molecada.
Segundo a coordenadora Juliana, todos os participantes do clube tinham histórico de comportamento problemático tanto no núcleo como na escola que frequentam.
Eles provocavam brigas, não prestavam atenção às atividades e costumavam causar estragos nas instalações.
Ainda segundo ela, a maior parte deles convive com problemas familiares sérios relativos à violência doméstica, desestruturação, abuso de drogas ou de álcool e falta de condições financeiras básicas.
Os reflexos positivos do projeto também têm sido sentidos na casa dos garotos (há duas meninas também) e, principalmente, nos colégios.
Para a professora Dinalva Cândida de Jesus, da escola municipal Quinzinho do Amaral, Rian, que era bastante agressivo e avesso a qualquer ordem dos professores, teve uma melhoria “gritante”.
“Eles terem um espaço específico para o diálogo, para poderem falar de si, o que nem sempre a gente consegue fazer na escola, levou um impacto muito grande para eles. O Rian nem parece a mesma criança”, declarou Dinalva.
E é justamente a oportunidade de serem ouvidos, sobre qualquer tema que os aflijam, e a chance de discutirem coletivamente ações que possam mudar uma situação adversa que os meninos encontram no clube, que é monitorado por uma pedagoga.
Para ter o poder da fala é necessário estar com um objeto específico na mão. Na sessão acompanhada pela reportagem, tratava-se de uma pequena almofada em formato de abacaxi. Só expõe seus pensamentos e angústia quem quiser. O silêncio durante a fala do colega é respeitado.
“A gente aprende a lidar com situações difíceis sem perder a paciência, sem briga. Aprende que podemos fazer algo bom para o mundo sem violência”, diz Daniel, que diz ser hoje um aluno mais tranquilo.
Os guardas que conduzem a iniciativa vão no ano que vem aos EUA passar por um período de novos treinamentos para a aplicação do conteúdo conciliador com as crianças.
“Nunca perdemos de vista que eles são os protagonistas de todo processo e não induzimos ninguém a ser aquilo que não se quer ser. Eles já passaram por noções de como tratar o outro com gentileza, como agir pela paz, como ser participativo em sociedade e como ser uma pessoa mais organizada em casa e na escola”, afirma Luís Alexandre Faulim, o outro guarda que toca as atividades.
Todo o andamento do projeto é monitorado pelo Juizado da Infância, que tem diálogo frequente com o núcleo.
As diretorias das escolas onde estudam as crianças também tomam conhecimento do rendimento de seus alunos, que só podem participar das atividade de contraturno se frequentarem diariamente as aulas.