Famílias migrantes são reunidas, mas algumas crianças não reconhecem mães
Uma mãe tinha esperado quatro meses para abraçar novamente seu filho pequeno. Outra aguardou três para rever a filha.
Quando as reuniões finalmente aconteceram, na terça-feira (10) em Phoenix, as mães ouviram de seus filhos gritos de rejeição.
“Ele não me reconheceu”, disse Mirce Alba López, 31, com os olhos cheios de lágrimas, sobre seu filho de 3 anos, Ederson. “Minha alegria de repente se transformou em tristeza.”
Para Milka Pablo, 35, não foi diferente. Sua filha de 3 anos, Darly, gritou e tentou se livrar do abraço da mãe. “Eu quero miss. Eu quero miss”, gritava Darly, chamando a assistente social do abrigo onde ela morou desde que foi separada da mãe por agentes federais na fronteira sudoeste dos EUA.
Os encontros emocionados —ordenados por um tribunal da Califórnia— ocorreram quando o governo disse que libertaria centenas de famílias migrantes usando tornozeleiras de vigilância, efetivamente retomando a política de “pegar e soltar” que o presidente Donald Trump prometeu eliminar.
Diante de algumas ordens judiciais que restringiram a detenção dos migrantes, as autoridades federais disseram que não podiam manter todas as famílias migrantes que foram apreendidas.
Elas afirmaram que suas mãos estão atadas por exigências conflitantes para libertar as crianças da detenção depois de 20 dias e também mantê-las com seus pais ou outros parentes adultos.
Membros do governo Trump também disseram que pararam de enviar para processo penal os adultos migrantes que entraram nos EUA com crianças.
“Pais com filhos de menos de 5 anos estão sendo reunidos a seus filhos e depois libertados e inscritos em um programa de detenção alternativa”, explicou a repórteres na terça-feira o diretor-executivo associado de operações de policiamento e remoção da Agência de Imigração e Alfândega (ICE na sigla em inglês), Matthew Albence.
Segundo ele, isso significa que os migrantes receberão tornozeleiras “e serão libertados na comunidade”.
Autoridades do governo disseram que estão lutando para cumprir o prazo ordenado pela Justiça na terça, de reunir 102 crianças migrantes de menos de 5 anos com seus pais; somente um terço delas deverão estar reunidas no prazo, segundo previsões.
As reuniões que já ocorreram foram caóticas. Os pais foram avisados de que os horários de coleta e entrega poderiam mudar ao longo do dia. O órgão federal que supervisiona o cuidado às crianças migrantes, o Departamento de Saúde e Serviços Humanos (HHS na sigla em inglês), ainda verificava os registros policiais dos pais na manhã de terça.
Em Phoenix, as reuniões foram marcadas por confusão e decepção.
Enquanto López e Pablo aguardavam em uma estação de ônibus Greyhound para embarcar para o leste do país, seus filhos se chamavam de irmão e irmã. Ainda não diziam “mami” (“mamãe” em espanhol) para as mulheres que os acariciavam e alimentavam. Mas estavam mais calmas, segundo as mães.
A menina Darly, que tinha aprendido a usar o banheiro pouco antes da separação da mãe, voltara a usar fraldas. Ederson pulava no colo da mãe e devorava salgadinhos de milho com prazer. Todos os adultos usavam tornozeleiras.
“Quero ficar com minha irmãzinha”, disse ele, apontando para Carmen, de 13 meses, nos braços de seu pai, o hondurenho Denis Espinoza. Ele foi solto da detenção para recuperá-la 20 dias depois que foram separados. “Viu?”, disse sua mãe. “Ele pensa que são seus irmãos.”
O Departamento de Justiça afirmou que sua política migratória de “tolerância zero” —que se concentra em processar os adultos que entrarem ilegalmente nos EUA, mas não necessariamente detê-los— continua válida.
O departamento também disse que está processando todos os casos que recebe dos agentes de imigração. O secretário da Justiça, Jeff Sessions, previu que a posição rígida sobre imigração irá desanimar as pessoas de entrar ilegalmente nos EUA.
Katie Waldman, uma porta-voz do Departamento de Segurança Interna (DHS), chamou de infeliz o retorno à política de pegar e soltar, e disse que ela servirá como “um fator de atração para maior imigração ilegal no futuro”.
“O DHS continuará trabalhando com o Congresso para encontrar uma solução para esse problema”, disse ela.
Trump criticou durante anos essa política, culpando-a pelos crimes e a violência cometidos por imigrantes não autorizados durante o governo do presidente Barack Obama.
Mas o governo Trump lutou do mesmo modo para conter as ondas de migrantes das Américas Central e do Sul —e quando eles entram no país, processá-los humanamente pelo sistema jurídico.
Os migrantes com filhos que foram apreendidos nos EUA agora recebem uma intimação para comparecer ao tribunal e ouvem: “Bem-vindo aos Estados Unidos da América”, segundo uma autoridade graduada do DHS, que falou sob a condição do anonimato porque não estava autorizado a ser identificado.
Albence disse que as tornozeleiras rastreiam as famílias que estão sendo libertadas, mas que o ICE consideraria outros métodos para garantir que os migrantes compareçam ao tribunal.
Ao todo, cerca de 80 mil migrantes usando dispositivos de rastreamento vivem nos EUA, incluindo migrantes que foram libertados da detenção antes da aplicação da política de tolerância zero, em abril.
Pouco depois que a política foi anunciada, imagens de crianças em gaiolas e gravações de bebês chorando ao ser separados dos pais provocaram uma indignação generalizada, inclusive de conservadores do Partido Republicano e de cristãos.
Em reação, Trump emitiu em 20 de junho uma ordem executiva dizendo que as crianças migrantes não deviam mais ser separadas dos parentes adultos. Isso efetivamente limitou a detenção a 20 dias —prazo definido por um acordo judicial conhecido como Flores— para migrantes adultos apreendidos com crianças.
O governo Trump pediu à juíza Dolly Gee, do Tribunal Distrital Federal em Los Angeles, para emendar o acordo Flores para permitir que as crianças sejam detidas por períodos maiores. Ele também pediu ao Congresso novas leis para desbancar a ordem judicial.
Na segunda-feira (9), Gee se recusou a emendar o acordo. “Os réus querem pôr fogo no acordo Flores e pedem que este tribunal reverta o acordo entre as partes por ordem judicial”, escreveu Gee, que foi nomeada por Obama.
Ela chamou o pedido do Departamento de Justiça para emendar o acordo de “cínico” e disse que é uma tentativa de “transferir ao Judiciário a responsabilidade por mais de 20 anos de inação legislativa e ação executiva desconsiderada que levaram ao atual impasse”.
O governo deverá apelar da decisão. Mas por enquanto tem poucas opções além de libertar as famílias com tornozeleiras e esperar que elas apareçam para as audiências judiciais.
“Pegar e soltar” é uma expressão sem definição jurídica, usada como alternativa pejorativa a prender imigrantes não autorizados. Leon Fresco, um ex-advogado de imigrantes do Departamento de Justiça, disse que colocar tornozeleiras nos imigrantes é um retorno ao que o próprio governo Trump descreveu como pegar e soltar; extinguir essa prática foi uma das principais prioridades do sindicato que representa os agentes da Patrulha de Fronteiras, que endossou a candidatura de Trump em 2016.
O uso de tornozeleiras para famílias migrantes poderá durar pouco. A juíza Dana Sabraw, do Tribunal Distrital Federal em San Diego, disse que vai analisar uma moção para permitir que as famílias migrantes escolham entre ficar na detenção por longo prazo com o ICE e entregar seus filhos voluntariamente ao Departamento de Saúde e Serviços Humanos enquanto aguardam o processo legal.
Chris Rickerd, um advogado da União Americana pelas Liberdades Civis, acusou o governo Trump de amplamente fabricar a atual crise migratória.
“Os moradores na fronteira e pessoas de todo o país percebem que esta administração está fazendo as pessoas esperarem de pé sob o sol para entrar nos EUA”, disse ele. “É este governo que está separando as crianças de suas famílias. E é este governo que está adotando essa posição de tolerância zero, quando os números da imigração ilegal diminuíram historicamente.”
Esse caos foi salientado na terça-feira pela dificuldade do governo para acatar a ordem judicial em San Diego de reunir as crianças de menos de 5 anos com suas famílias. As autoridades federais disseram que tinham reunido quatro famílias até agora, com mais 34 reuniões previstas até o fim do dia.
Além disso, as autoridades não indicaram se cumprirão o prazo de 26 de julho para reunir todas as crianças migrantes restantes que foram separadas dos pais.
“Estes são prazos definidos. Não são metas desejáveis”, disse Sabraw, advertindo o governo.
Chris Menkins, uma autoridade graduada do Departamento de Saúde e Serviços Humanos, indicou preocupações de segurança para explicar o atraso e insistiu que as reuniões não podem ser apressadas.
“Nosso processo não pode ser tão rápido quanto alguns gostariam, mas não há dúvida de que está protegendo as crianças”, disse Menkins em uma teleconferência com a imprensa.
Em alguns casos, disse ele, “se tivéssemos simplesmente reunido as crianças com os adultos, as estaríamos colocando sob os cuidados de um estuprador, um sequestrador, um agressor de crianças e alguém que foi acusado de assassinato em seu país natal”.
Um dos maiores operadores de abrigos para jovens migrantes nos EUA, o Southwest Key Programs, disse que sua equipe despachou várias crianças de seus abrigos para devolvê-las a seus pais na terça.
“Nossa equipe chegou cedo, garantiu que todas as mochilas estavam cheias e toda criança recebeu um abraço e um adeus”, disse em um comunicado Juan Sánchez, presidente e executivo-chefe da instituição sem fins lucrativos. “E as crianças nos abraçaram. Elas estavam entusiasmadas porque iam encontrar suas famílias. E nós ficamos entusiasmados por elas.”
A instituição não quis comentar quantas crianças com menos de 5 anos foram liberadas. O processo de reunião salientou como foram traumáticas as separações decorrentes da política de tolerância zero.
Um pai de Honduras tinha sido avisado pelos agentes da Patrulha de Fronteiras de que seu filho seria levado embora e teve a oportunidade de explicar ao menino o que aconteceria. Ele sorria enquanto o menino fazia perguntas e brincava quando eles foram reunidos em um escritório federal de imigrantes em Michigan na terça-feira.
Outro pai não teve a oportunidade de dizer a seu filho de 3 anos que eles seriam separados, segundo Abril Valdes, uma advogada dos dois. Seu filho tinha parado de falar logo depois que foi posto sob a custódia do governo. O pai e o filho choraram durante o reencontro. O menino pouco disse e se recusou a pegar brinquedos ou sair dos braços do pai.
“Sinto que ele ainda está em choque”, disse Valdes, a advogada.