G20 vira G19 versus Trump
Desde que, em 2008, a água da crise global começou a chegar à boca do mundo, o G20, o clubão das maiores economias do planeta, passou a ser um encontro no mais alto nível, com o que se transformou no “principal fórum das grandes economias na busca de desenvolver políticas globais para enfrentar os mais prementes desafios da atualidade", conforme sua descrição oficial.
Um ponto de encontro para a cooperação bastante representativo: os 19 países que o integram mais a União Europeia produzem 85% da economia mundial e abrangem 66% da população.
Não só representativo como eficaz: há razoável consenso de que as medidas contra a crise adotadas pelo grupo evitaram que a recessão se transformasse em depressão, com consequências ainda mais severas.
Exatos dez anos depois da primeira cúpula, o próximo encontro (Buenos Aires, 30 de novembro e 1º de dezembro) transformou-se, na prática, em um G19 versus Donald Trump.
Já foi assim na cúpula anterior na Alemanha. Trump recusou-se a endossar o documento final, referendado pelos outros 19 líderes, na parte referente à mudança climática. Foi coerente, nesse ponto, com a sua decisão de retirar os Estados Unidos do Acordo de Paris sobre o clima, assinado por quase todo o mundo, inclusive pelos EUA de Barack Obama.
Mas os EUA de Trump é outro planeta, em órbita solitária. Agora, para a reunião de Buenos Aires, os negociadores americanos vetam qualquer menção ao Acordo de Paris, o que emperra a finalização do texto.
Há um segundo ponto de desacordo: a guerra comercial que Trump desatou contra vários parceiros, Brasil inclusive, mas especialmente contra a China, impede avanços também nesse capítulo, que é central para o G20.
Em cúpulas como essa, o usual é que os negociadores definam os pontos essenciais da declaração final, para que os governantes a assinem, com uma outra observação ou correção.
Não está sendo assim, tanto que a guerra comercial foi jogada para um anunciado encontro na Argentina entre Trump e o líder chinês Xi Jinping.
Tudo o que os negociadores conseguiram, na reunião mais recente, foi um parágrafo anódino que diz: “Redobramos nosso diálogo sobre os acontecimentos atuais no comércio internacional, reconhecendo a necessidade urgente de debatê-los e a maneira de adaptar a Organização Mundial do Comércio para enfrentar os desafios atuais e futuros".É uma tentativa de reformar a OMC para que seja ela a responsável por desarmar as bombas lançadas por Trump e transformar a guerra em negociação.
O Brasil aceita a reforma da OMC, desde que não seja feita para beneficiar este ou aquele país e, sim, para fortalecer o sistema multilateral. O problema é que Trump sabidamente detesta o multilateralismo e prefere pôr “a América primeiro".
O segundo problema é que, ao escolher Ernesto Araujo para chefiar o Itamaraty, Jair Bolsonaro inclina-se para o lado de Trump. O futuro chanceler é fã do presidente americano e, como ele, crítico da globalização, “que passou a ser pilotada pelo marxismo cultural", como escreveu em seu blog.
É uma teoria estapafúrdia, mas coerente com a caça aos vermelhos desatada pelo bolsonarismo. Emmanuel Macron, Angela Merkel, até Xi Jinping —defensores do multilateralismo e da globalização— que se cuidem: o “novo” Brasil ameaça descer do mundo. Azar dele.