Gaviões da Fiel reedita samba que virou canto de gol do Corinthians
Se você estiver em um jogo do Corinthians e ouvir “saravá, saravá, salve o santo guerreiro, e uma vela pra saudar meu São Jorge padroeiro”, será porque o time terá acabado de marcar um gol.
A letra é do samba-enredo de 1994 da Gaviões da Fiel, um daqueles que foram da passarela do samba às arquibancadas de futebol. Ele é entoado em uma espécie de ritual para celebrar os gols, quando arrefece a energia dos berros iniciais, e fará o caminho de volta ao Anhembi na madrugada deste domingo (3).
A escola ligada à torcida alvinegra resolveu reeditar o hino apresentado 25 anos atrás, “A Saliva do Santo e o Veneno da Serpente”. A canção, que conta a lenda do surgimento do tabaco e sua história, é menos conhecida dos não corintianos do que “Coisa Boa É para Sempre”, campeã de 1995, mas bastante querida pelos torcedores da equipe da zona leste paulistana, especialmente daqueles que frequentam os estádios.
Pouco importa que “café e rapé em Paris” não faça sentido no ambiente da arquibancada. Se a letra não é propriamente de incentivo a um time de futebol, basta parodiar um ou dois versos e encaixar um “torcer pro Coringão”, como fazem os alvinegros há mais de duas décadas.
Em Itaquera, a música é de alegria, sinal de que Gustavo, Pedrinho ou outro jogador acaba de castigar o goleiro adversário. E os torcedores-foliões esperam que ela tenha o mesmo significado no Anhembi, algo que ficou no quase em 1994.
Naquele ano, o título, que ficou com a Rosas de Ouro, não chegou justamente por causa do samba. Ou quase isso. O compositor Paulo Soledade, julgador do quesito letra do samba, deu uma nota 6 à Gaviões, citando “queijos e vinhos” em sua justificativa. A rebaixada Primeira da Aclimação, décima colocada, cujo enredo era “O Vinho da Verdade”, levou um 10.
“Foi uma nota 6 para, simplesmente, um dos sambas mais cantados de todos os tempos. Ele se equivocou. Pelo seu critério de julgamento, ele dava a nota para outra escola, que falava sobre o vinho”, disse Ernesto Teixeira, que era o intérprete da Gaviões em 1994 e nunca deixou o posto.
“Poucas vezes na vida a gente tem a oportunidade de reviver bons momentos. A gente tem essa oportunidade e vai reescrever a história para chegar ao primeiro lugar em 2019”, acrescentou.
Para isso, serão necessários alguns ajustes. Aqueles que se acostumaram a gritar “torcer pro Coringão” terão de voltar a cantar “faz mal pro coração”. E aí está outra questão importante, pois o tabagismo não é visto como era 25 anos atrás.
“Um dos elementos que me fizeram ir adiante nessa ideia é um inconformismo sobre como o mundo está quadrado, careta, em uma época de tanta informação”, afirmou o carnavalesco Sidnei França, que vai adaptar o trabalho feito por Raul Diniz nos anos 1990.
“As pessoas estão querendo dizer o que você pode e o que não pode fazer, o que deve e o que não deve. Você tem que assumir bandeiras. Eu gosto de botar o dedo na ferida. Então, eu gostei de saber que a escola pode ser criticada. A sociedade só cresce quando aceita a discussão”, disse França.
Seja qual for o resultado, terminado o Carnaval, o samba vai de novo da passarela à arquibancada. Repetirá o trajeto que outros também já fizeram.
Do Salgueiro para Barcelona
O caso mais clássico é o da canção do Salgueiro de 1971, “Festa para um Rei Negro”. O refrão do compositor Zuzuca (“olelê, olalá, pega no ganzê, pega no ganzá”) é usado por diversas torcidas brasileiras para exaltar seus jogadores, com dois versos trocados: “Fulano vem aí, e o bicho vai pegar”.
O ritmo chegou até a Espanha. “Olelê, olalá, ser de Barça es el millor que hi ha”, cantam os apoiadores da equipe, em catalão, dizendo que torcer pelo Barcelona é a melhor coisa que existe.
Explode coração
Outra música do Salgueiro, “Peguei um Ita no Norte”, de 1993, é cantada até hoje por torcedores de todo o país. No refrão (“explode coração, na maior felicidade, é lindo o meu Salgueiro, contagiando e sacudindo essa cidade”), troca-se o nome da escola pelo do time.
Flamengo x Vasco
Também ganharam versões alteradas dois sambas da União da Ilha. Na variante cruz-maltina do tradicional “É hoje”, de 1982, “o dia de o riso chorar” vira “o dia de o Vasco jogar”.
O também tradicional “Festa Profana”, de 1989, tem uma alternativa rubro-negra e bem menos lúdica do que a original: “Ô, joga água, que é de cheiro, confete e serpentina, vou dar porrada na torcida vascaína”.
Homenagens
Flamenguistas e vascaínos não precisaram parodiar, respectivamente, o samba da Estácio de Sá de 1995 e o da Unidos da Tijuca de 1998. No ano de seu centenário, cada um desses clubes mereceu enredo próprio na Sapucaí.
“Diamante Negro, Fio Maravilha, Domingos da Guia, Zizinho, Pavão. Gazela Negra! Corre o tempo no olhar. Será que você lembra como eu lembro o Mundial que o Zico foi buscar?”, cantam os rubro-negros.
“Vamos vibrar, meu povão, é gol, é gol! A rede vai balançar, vai balançar. Sou Vasco da Gama, meu bem, campeão de terra e mar”, devolvem os cruz-maltinos, já recuperados do fato de que, com esse samba, a Tijuca foi rebaixada.