Tropas dos EUA deixam a África mesmo com aumento do terrorismo no continente

O presidente Donald Trump ordenou a retirada da maioria das tropas americanas da Síria. Ele quer trazer de volta milhares de soldados americanos do Afeganistão. Agora centenas de comandos e outras forças dos EUA estão deixando a África ocidental –apesar de uma onda de ataques de uma matriz de combatentes islâmicos cada vez mais letal.

A mudança de política assusta comandantes africanos em Burkina Fasso e nos países vizinhos do Sahel, uma vasta região semiárida subsaariana cada vez mais assolada por bombas, massacres, sequestros e ataques contra hotéis frequentados por ocidentais.

A maioria dos americanos não tinha consciência do envolvimento militar dos EUA na região até quatro soldados do Exército americano serem mortos por combatentes do Estado Islâmico numa emboscada fatal no Níger em 2017.

Críticos da retirada dizem que o que está emergindo é um vislumbre do que acontece quando tropas americanas, especialmente membros das Operações Especiais, se retiram antes de insurgentes terem sido dominados de fato, deixando forças locais ou aliadas sozinhas para enfrentar o Estado Islâmico, a Al Qaeda ou seus grupos descendentes.

“É um problema muito real”, disse o coronel Moussa Salaou Barmou, comandante das forças de Operações Especiais do Níger, falando sobre o fechamento de sete das oito unidades de elite de contra terrorismo dos EUA que operam na África.

Sob a estratégia militar da administração Trump, o Pentágono passou de focar sua atenção sobre operações de contra terrorismo para ameaças potenciais da China e Rússia.

Em dezembro, Trump ordenou a retirada de todos os 2.000 militares americanos da Síria, embora depois tenha abrandado sua posição para permitir a permanência de pelo menos 400. Como parte das negociações de paz com o Taleban que estão em curso, um novo plano do Pentágono prevê a retirada de todos os 14 mil militares americanos do Afeganistão nos próximos cinco anos –e até 7.000 nos próximos meses.

As forças americanas estão reduzindo seus comandos na África em cerca de 25%, especialmente no oeste do continente. Ao mesmo tempo, insurgentes vêm atacando o norte de Burkina Fasso e e avançando para o sul, seguindo a fronteira do Níger, em direção a áreas até agora intocadas pela violência extremista, incluindo a Costa do Marfim, Benin, Togo e Gana, onde o Pentágono tem um centro de logística.

Em um sinal do medo crescente, uma escola na pequena cidade de Bargo, em Burkina Fasso, recentemente ergueu um muro de concreto em volta de suas construções, para se garantir maior proteção. O diretor da escola, Bonane Honore, contou que dois alunos foram sequestrados por extremistas no mês passado quando oravam na mesquita vizinha.

“Temos muito medo”, disse Christine Kabore Ouedraogo, líder política da cidade, situado a pouca distância do campo de treinamento em Loumbila.

O coronel Barmou fez seu treinamento militar em Fort Benning, Geórgia, e na National Defense University, em Washington. Ecoadas por outros oficiais africanos preocupados com o compromisso de Washington de combater o extremismo violento, suas declarações foram feitas durante um exercício de contraterrorismo em Burkina Fasso na semana passada que atraiu 2.000 militares de mais de 30 países africanos e ocidentais.

“A ameaça está ganhando terreno”, disse o ministro do Exterior de Burkina Fasso, Alpha Barry, numa conferência de segurança realizada em Munique em fevereiro. “Ela não está mais apenas no Sahel, está na região costeira da África ocidental e arrisca se alastrar pela região.”

A França, antiga potência colonial na África ocidental, mantém 4.500 militares na região para ajudar a combater insurgentes no Níger, Chade e Mali, de onde expulsou uma filiada da Al Qaeda em 2013.

Autoridades francesas disseram que o Pentágono lhes assegurou que vai continuar a fornecer inteligência, logística e reabastecimento aéreo no que o primeiro-ministro Édouard Philippe, em visita a tropas no Mali na semana passada, descreveu como uma “luta árdua”.

As forças americanas têm presença terrestre relativamente leve na África. Elas dependem de suas parceiras europeias e africanas para realizar a maioria das missões de contra terrorismo do Sahel à Somália, enquanto o Pentágono fornece o poder áereo conforme é necessário. Os EUA já lançaram 24 ataques aéreos este ano contra alvos da Al Shabaab na Somália, sendo que em todo o ano de 2018 foram 47.

Cerca de 6.000 soldados americanos e mil civis ou funcionários terceirizados do Departamento de Defesa trabalham na África, principalmente treinando e conduzindo exercícios com forças locais.

O Comando da África das forças americanas pretende reduzir esse pessoal em 10% até janeiro de 2002.

Os cortes vão abranger 300 membros das Forças Especiais que serão tirados dos cerca de 1.200 comandos distribuídos pelo continente no ano passado.

Boinas Verdes americanos do Terceiro Grupo das Forças Especiais, de Fort Bragg, Carolina do Norte, prestam assessoria a seus parceiros africanos com o planejamento e a realização de operações, mas raramente os acompanham em missões, disse o comandante do grupo, coronel Nathan Prussian.

Comandantes americanos disseram que as mudanças refletem o progresso conquistado pelas tropas americanas e negam que os Estados Unidos estejam recuando de seu engajamento com a região.

“A ideia de que estejamos abandonando o Sahel simplesmente não tem fundamento”, disse o general J. Marcus Hicks, comandante das forças de Operações Especiais americanas na África, em entrevista. “Trata-se simplesmente de uma transição natural.”

Mas a redução das tropas ocorre em meio a uma enxurrada de ataques terroristas. Apenas em Burkina Fasso, grupos filiados ao Estado Islâmico e à Al Qaeda lançaram 137 ataques no ano passado, sendo que em 2016 tinham sido apenas 12, segundo o Africa Center for Strategic Studies.

A violência teve consequências profundas para Burkina Fasso, país pobre de cerca de 20 milhões de habitantes, sem saída para o mar, no passado uma colônia africana conhecida como Alto Volta. Em 2014 um levante popular afastou do poder o presidente Blaise Compaoré, que governara o país como ditador durante anos.

Mas em janeiro de 2016, apenas semanas depois de um governo democraticamente eleito assumir o poder, militantes da Al Qaeda lançaram o pior ataque terrorista da história do país, matando 30 pessoas em um hotel e restaurante de luxo de Uagadugu frequentado por ocidentais. Em agosto de 2017 um novo ataque de extremistas islâmicos, desta vez contra um café popular, deixou 18 mortos.

Os militantes têm superado em força o governo do presidente atual, Roch Marc Christian Kaboré, que, visando deixar o país mais preparado para a guerra, recentemente nomeou um novo primeiro-ministro e chefe das forças armadas.

A previsão é que os EUA forneçam US$ 100 milhões em apoio militar às forças militares e paramilitares burquinenses, que somam 12 mil homens, nos próximos dois anos. A assistência deve incluir veículos, equipamentos de proteção corporal, rádios e óculos de visão noturna. Um porta-voz da embaixada disse que isso representa dez vezes a ajuda que o Pentágono deu ao governo burquinense anterior.

A administração Trump também está dando US$ 242 milhões em ajuda militar ao chamado grupo G5 de países do Sahel –Burkina Fasso, Mali, Níger, Chade e Mauritânia. Mas a força do G5, prevista para chegar a 5.000 soldados, não vem conseguindo frear o avanço dos extremistas.

Comandantes africanos disseram que recebem a assistência ocidental de braços abertos, mas ressalvaram que os equipamentos fornecidos nem sempre são eficazes. Por exemplo, os Toyota Land Cruisers com tração nas quatro rodas fornecidos pelos Estados Unidos muitas vezes não são blindados, algo que é necessário para proteger contra as bombas improvisadas cada vez mais potentes deixadas em estradas.

“Os terroristas têm bombas improvisadas, por isso precisamos de veículos reforçados”, explicou o capitão Amadou Koundy, oficial das forças especiais nigerinas que fez treinamento em Senegal e na base MacDill da Força Aérea americana em Tampa, Flórida.

Oficiais militares e analistas independentes destacaram que a assistência militar dos EUA e outros países ocidentais pode na melhor das hipóteses dar mais tempo aos aliados africanos para estes combaterem a pobreza, falta de escolas, corrupção governamental e outros problemas que os grupos extremistas procuram explorar.

“Não há soluções apenas militares aqui, apenas medidas temporárias”, disse Alice Hunt Friend, ex-representante máxima do Pentágono para a África e membro sênior do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, em Washington.
 

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