Gol de bicicleta e calças Lee marcaram Menotti no Juventus
Há uma anedota no futebol que diz que se todas as pessoas que dizem ter visto o gol do Pelé contra o Juventus, tido como o mais bonito de sua carreira, realmente estivessem aquele dia na Rua Javari, o público seria suficiente para lotar o Maracanã.
Já não se pode dizer o mesmo do gol de bicicleta marcado pelo argentino César Luis Menotti, em 1969, contra o São Bento, na Mooca.
Conhecido no Brasil como o técnico que comandou a Argentina no título da Copa do Mundo de 1978, Menotti, hoje diretor de seleções da AFA (Associação do Futebol Argentino), teve carreira fugaz como atleta.
Surgiu no Rosario Central como promissora revelação do futebol argentino. Ainda passou por Racing e Boca Juniors antes de se aventurar nos Estados Unidos, com a camisa do New York Generals.
No fim da década de 1960, após passagem relâmpago pelo Santos (fez testes no clube e disputou um amistoso), assinou em 1969 contrato com o Juventus, seu último clube antes de se tornar treinador.
"Meu irmão Sergio foi diretor de futebol. Justamente ele quem trouxe o Menotti pro Juventus. O Sergio, além de tudo, era um fanático torcedor da Argentina", conta à Folha Angelo Agarelli, 71, cujo pai foi um dos fundadores do clube.
"Quando soube que o Menotti viria, fizemos festa. Ele era uma estrela, depois vimos que em decadência, mas uma estrela", lembra Francisco Prisco, 63, torcedor e ex-atleta de basquete juventino.
Segundo o jornalista Julio Macías no livro "Quién es quién en la Selección Argentina", Menotti "foi um jogador fino, elegante, lento no físico mas muito rápido mentalmente, com potente pegada e notável técnica, ainda que pouco propenso ao sacrifício".
Na seleção, chegou a disputar seis partidas entre 1962 e 1963 e marcou apenas um gol, contra o Paraguai, pela Copa Chevallier Boutell.
Fosse nos dias de hoje, seria comparado a Paulo Henrique Ganso, meia de grande técnica, mas comumente criticado pela ausência de esforço. Como mostra um trecho do jornal A Gazeta Esportiva do dia 6 de julho, após uma vitória juventina sobre o São Bento, na Rua Javari. "No ataque avultou a figura de Menotti, apesar da visível intenção desse jogador em poupar-se, evitando as divididas".
Naquele suspiro final de carreira, já com 31 anos, o que se viu de Menotti foi apenas um simulacro do que sua trajetória, mais efêmera que propriamente de sucesso, fora um dia.
"Ele já estava em idade bem avançada, isso pesou. Mas ele tinha aquela classe do jogador argentino", recorda Prisco.
César Luis Menotti jogou somente oito jogos pelo Juventus, todos pelo Campeonato Paulista de 1969.
Estreou há 50 anos, em uma goleada sofrida por 6 a 1 para o Palmeiras, num 16 de abril, no velho Parque Antarctica, partida que marcou também a estreia de um tal Emerson Leão no gol alviverde.
Após perder para a Portuguesa, uma lesão em derrota para o São Paulo, na Rua Javari, após entrada dura do ponta tricolor Terto, deixou-o fora de ação por mais de um mês.
Só retornaria aos campos em junho, disputando seus últimos cinco jogos pelo clube.
Segundo o ex-lateral Francisco Canotilho, conhecido como Chiquinho, o argentino não era muito afeito a viajar com a equipe para os compromissos fora de casa.
"No interior ele não ia jogar não", conta, rindo, Chiquinho. "Ele pulava fora e falava 'Rio Preto? Yo no (eu não, em espanhol). Muito longe'. Era um barato, um cara fantástico. Jogava muito, cheio de ginga."
Apelidado de "Che", Menotti aproveitava as partidas do Juventus no interior para poder retornar à Argentina. Na bagagem, trazia calças Lee, moda na época, para serem vendidas aos colegas de elenco.
Em 5 de julho, brindou aos torcedores sua grande exibição pelo clube da Mooca. Diante do São Bento, na Javari, marcou dois gols. Um de falta, que era uma especialidade sua, e o outro de bicicleta.
"Foi mais ou menos parecido com aquele feito pelo Cristiano Ronaldo recentemente", diz Agarelli, referindo-se a um gol do português, ainda pelo Real Madrid, contra a Juventus, na Champions 2017/2018.
Uma semana depois do antológico gol, atuou pela última vez na carreira, em derrota para a Portuguesa Santista por 1 a 0.
"Ele alegou que tinha problemas de caráter familiar, que a família não conseguiu se adaptar e ele ia voltar para a Argentina", diz Agarelli.
De volta ao seu país e com o passe preso ao Juventus, que não quis liberá-lo do contrato, decidiu iniciar a carreira de treinador. Já em 1973, conquistaria o título argentino com o Huracán, antes de sagrar-se campeão mundial com a seleção no Mundial de 1978.
Como forma de homenageá-lo após a conquista histórica e aparar antigas arestas do imbróglio contratual, o Juventus decidiu entregá-lo simbolicamente o passe de volta.
"Quando ele foi treinador da seleção [argentina], eu falava para os meus amigos 'Joguei com ele, porra'", orgulha-se o ex-colega Chiquinho.
A era Menotti no Juventus foi tão curta que o próprio clube não possui registros em imagem do argentino. A Gazeta Esportiva tem uma única imagem do jogador com a camisa grená.
O que torna sua passagem pela Mooca uma vaga lembrança entre os que puderam vê-lo do campo, como Chiquinho, ou da arquibancada, como Agarelli e Prisco. Esses sim poucos, ao contrário dos que viram o gol de Pelé.