Greve das mulheres
Em 1975, a Islândia viveu o que ficou conhecido como “Sexta-feira longa”. Não se trata dos famosos dias intermináveis, com sol até meia-noite, próprios de lugares próximos aos círculos polares.
Em 2 de novembro daquele ano, as mulheres islandesas deixaram suas casas, seus filhos e seus trabalhos e foram para as ruas em passeata. “O dia de folga das mulheres” ou “a greve das mulheres”, como também ficou conhecido, teve efeitos surpreendentes pela adesão maciça, 90% das mulheres, e por suas repercussões.
Os homens tiveram que levar os filhos ao trabalho e os estoques de salsicha acabaram quase imediatamente nos supermercados. Do fundo das emissões de rádios, se podia ouvir as vozes de crianças que corriam pelos estúdios, uma vez que os pais não tinham com quem deixá-las. Muitas empresas fecharam por falta de funcionárias e as ruas ficaram tomadas.
Cinco anos depois, a mesma Islândia —reconhecida como o país mais igualitário do mundo— elegeria Vigdis Finnbogadottir, mãe solteira, divorciada e primeira mulher da história eleita chefe de Estado democraticamente.
Quarenta e quatro anos depois, o Dia Internacional das Mulheres será comemorado na próxima sexta-feira, em um país que tem o Ministério da Mulher, da Família e do Direitos Humanos encabeçado por uma senhora declaradamente antifeminista.
Não deixa de ser paradoxal lembrar que graças ao feminismo as mulheres puderam participar diretamente da política, direito sem o qual a dupla ministra —da igreja e do Estado— jamais poderia pensar em exercer um cargo público.
Vale lembrar que foi à base de muita luta e algumas mortes que esse direito foi conquistado. A Nova Zelândia saiu na frente em 1893; o Brasil permitiu o sufrágio feminino em 1932 e a lanterninha, Arábia Saudita, só o fez a partir de 2015.
Parece óbvio que as mulheres tenham o direito a escolher candidatos que as representem, mas nada era óbvio quando elas enfrentavam a polícia, perdiam seus empregos, a liberdade, a reputação e a vida para fazer valer o direito da qual a citada ministra usufrui levianamente. Muitos homens têm lutado ao nosso lado por essas conquistas.
Mas, e o direito de decidir o que fazer com nossos próprios corpos, o direito à escolha de levar ou não uma gestação adiante? Soa tão revolucionário quanto o sufrágio soava há cem anos. Sofremos represálias, prisões, maus-tratos, morremos aos montes, gestamos filhos de estupradores ou filhos indesejados, somos ameaçadas de morte. Mas a história está do nosso lado.
O mapa da descriminalização e legalização do aborto repete a progressão mundial lenta, mas certeira, na direção da liberdade das mulheres, como aconteceu com o sufrágio universal. Não desanimemos.
Embora o feminismo seja um movimento pacífico da sociedade civil, enfrenta reações violentas de pessoas contrárias à emancipação das mulheres. O aumento de estupros, feminicídios, omissões e desrespeitos de todas as ordens surge como tentativa de intimidação das mulheres que dizem não.
Desde os anos 1960, o feminismo vem sendo pensado em articulação com as questões de raça, classe social, gênero e orientação sexual e o Dia das Mulheres deve ser comemorado mais do que nunca. Movimentos pacíficos com esse poder de transformação social são raríssimos na história da humanidade e apontam para uma forma única de resistência ao horror não apenas das mulheres, mas de todos aqueles que se entendem por humanos.
Que a próxima sexta-feira seja a mais longa de todas!