México executa agenda imigratória dos EUA e se torna aliado inesperado de Trump
Autoridades mexicanas andam implementando a agenda de imigração da administração Trump em grandes trechos da fronteira entre México e Estados Unidos, contrariando as promessas do governo mexicano de defender os migrantes e apoiar sua busca por uma vida melhor.
As autoridades mexicanas vêm bloqueando grupos de migrantes em cidades de fronteira, não deixando que atravessem pontes internacionais para pedirem asilo nos Estados Unidos, interceptando menores desacompanhados antes de conseguirem chegar a solo dos EUA e ajudando a administrar listas de candidatos a asilo em nome das autoridades americanas, para limitar o número de pessoas que atravessam a fronteira.
Rompendo com décadas de prática na questão do asilo, o governo mexicano também permitiu que a administração Trump enviasse mais de 120 homens, mulheres e crianças a Tijuana enquanto aguardam decisões sobre seus pedidos de asilo nos Estados Unidos.
O programa pode ser estendido para outros postos de travessia da fronteira já na próxima semana.
Funcionários da administração do novo presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, dizem que sua postura em relação aos migrantes foi uma decisão estratégica que visa não provocar a ira do presidente Donald Trump.
López Obrador não acredita que consiga fazer Trump mudar de ideia, eles dizem. Além disso, segundo eles, o presidente mexicano não quer prejudicar outros aspectos do relacionamento profundamente interligado entre os dois países, que abrangem desde complexos acordos comerciais regionais até a partilha de informações sobre segurança na fronteira, criminalidade transnacional e terrorismo.
Por isso ele está evitando uma disputa pública potencialmente onerosa sobre a questão. López Obrador, que ao longo da vida sempre defendeu os pobres, frequentemente descreve seus planos para o México como uma grande transformação, situando seus planos para o país no mesmo nível que os dos grandes líderes mexicanos passados.
Ele poliu suas credenciais de homem do povo, cortando os salários de funcionários do governo, viajando pelo país na classe econômica e abrindo o luxuoso palácio presidencial ao público. E reduziu em muito o número de migrantes centro-americanos que o México deporta de seu território.
Mas nem tudo foi transformado. O primeiro caso em pauta é o do Protocolo de Proteção de Migrantes, a política da administração Trump de exigir que os candidatos a asilo permaneçam do lado mexicano da fronteira enquanto aguardam a decisão sobre seu pedido.
Organizações de defesa dos direitos humanos alegam que o protocolo despeja migrantes no México, país onde a violência é crescente, dificultando seu acesso a assistência jurídica e apoio familiar nos Estados Unidos.
A administração de López Obrador, que chegou ao poder dizendo que não cooperaria com a agenda anti-imigração de Trump, na realidade vem cooperando com essa agenda em várias frentes, incluindo aceitar mulheres e crianças, não obstante promessas anteriores de aceitar apenas candidatos a asilo do sexo masculino.
O governo mexicano argumentou que a exigência de que os candidatos a asilo aguardem em território mexicano lhes foi imposta pelos Estados Unidos e que eles concordaram com ela por razões humanitárias.
Também é verdade que para López Obrador, ceder a algumas das exigências de Trump em relação à fronteira e raramente dizer uma palavra contra o presidente americano em seus briefings diários para a imprensa lhe impõe poucos custos políticos em casa.
Para muitos mexicanos, o destino dos migrantes tem importância secundária, comparado às preocupações internas com trabalho, segurança e corrupção. López Obrador conserva um índice de aprovação de 80%, não obstante a disposição de seu governo em aceitar de volta migrantes que pediram asilo nos Estados Unidos.
“Se precisamos aceitar um punhado de pessoas de volta no México, isso não é problema real para nós, nem sequer politicamente”, disse um funcionário que não está autorizado a comentar deliberações governamentais internas.
“O que realmente queremos é evitar uma disputa pública com Trump.” Mas, em seu esforço para evitar desentendimentos com o vizinho do norte, dizem críticos, o governo mexicano priorizou a política em detrimento de seus ideais humanitários.
“O México continua a desempenhar o papel que os EUA acham que ele deve exercer, que é conter o fluxo de migrantes, e só”, comentou Melissa Vertiz Hernández, coordenadora do Grupo de Trabalho sobre Política Imigratória, uma rede de organizações da sociedade civil e defensoras dos direitos humanos no México.
O equilíbrio delicado com os Estados Unidos deixou o governo mexicano sem uma política de imigração clara e consistente, de modo que os estados e municípios mexicanos da fronteira muitas vezes se veem na posição de ter que defender seus próprios interesses, sob pressão de suas contrapartes americanas.
O governo mexicano está resistindo a Trump de algumas maneiras, insistiu o funcionário do governo de López Obrador. Segundo ele e dois outros funcionários informados sobre o assunto, mesmo a aquiescência com o governo Trump em relação ao Protocolo de Proteção de Migrantes foi feita de modo estratégico.
Ao permitir que o programa começasse em San Diego e Tijuana, argumentaram os funcionários mexicanos, as contestações legais a ele nos Estados Unidos são julgadas pelos tribunais federais do Distrito Norte da Califórnia, geralmente visto como liberal.
Isso faz diferença num momento em que muitos americanos buscam maneiras de derrotar Trump nas eleições de 2020. Essas maneiras incluem especialmente alavancar o voto mexicano-americano.
Mas muitos ativistas estão longe de acreditar que uma contestação na Justiça consiga sustar a aplicação do programa.
“Acho isso uma iniciativa incrivelmente arriscada”, opinou Stephanie Leutert, diretora da Iniciativa de Segurança do México na Universidade do Texas, em Austin. “Acho que não se deve confiar a política externa e migratória de seu país a uma organização da sociedade civil de outro país.”
No último 14 de fevereiro essa organização da sociedade civil, a União Americana de Liberdades Civis (Aclu), e várias outras entidades de direitos moveram uma ação judicial contestando a política da administração Trump.
Está prevista para sair nos próximos dias uma decisão sobre um mandado temporário para sustar a implementação da política.
Aberta em nome de 11 candidatos a asilo que foram enviados de volta ao México nas últimas semanas, a ação acusa a administração Trump de violar leis federais e internacionais de migração e direitos humanos.
Defensores dos migrantes argumentam que, ao enviar compulsoriamente os candidatos a asilo a Tijuana, a administração Trump os mergulhou em um ambiente perigoso e desconhecido onde suas vidas podem correr risco.
O índice de homicídios em Tijuana subiu vertiginosamente nos últimos anos devido a disputas pelo controle do mercado local de drogas. A cidade teve seu ano mais letal da história no ano passado, com mais de 2.500 homicídios.
A administração Trump anunciou a nova política em dezembro, e em 28 de janeiro o diretor da agência mexicana de migração disse que o governo mexicano impôs restrições à sua implementação.
Mas autoridades mexicanas recuaram de muitas dessas restrições iniciais, incluindo a recusa em aceitar mulheres com crianças.
Funcionários da administração Trump dizem que pretendem estender o programa para outros postos de entrada ao longo da fronteira. A administração López Obrador vem dizendo pouco em público sobre as mudanças.
Autoridades mexicanas dizem que não têm condições de oferecer abrigo e assistência aos migrantes que retornam, deixando-os essencialmente sob os cuidados de uma rede de grupos comunitários em Tijuana e outras cidades do estado de Baja Califórnia.
Mas a rede de abrigos está fortemente sobrecarregada devido à chegada quase contínua de migrantes que viajam em caravanas.
A irmã Salomé Limas, assistente social do abrigo de migrantes Instituto Madre Asunta, em Tijuana, disse que o centro está dando abrigo a 120 mulheres e crianças —em um espaço previsto para acolher 44 pessoas.
Entre os migrantes há várias famílias que buscaram asilo nos Estados Unidos e foram enviadas de volta nas últimas semanas, dentro dos termos do protocolo de Trump.
Limas disse que o abrigo poderá acolher as famílias até a primeira audiência que elas terão nos Estados Unidos, no final de março. Depois disso, ela não sabe ao certo.“O que vai acontecer com elas?”, perguntou. “Não sabemos.”
Tradução de Clara Allain