Grupo brasileiro é suspeito de integrar esquema de desvio de dinheiro no Congo
O grupo empresarial brasileiro Asperbras, que mantém contratos milionários com o governo do Congo nas áreas de construção e mapeamento geológico, emergiu como parte de uma série de transações financeiras suspeitas de desviar dinheiro público do país africano usado na compra de um apartamento de luxo no Trump International Hotel & Tower, em Nova York.
De acordo com investigação da ONG britânica Global Witness, os recursos com indícios de desvio dos cofres do Congo foram utilizados na compra do imóvel de US$ 7,1 milhões (cerca de R$ 27 milhões) em 2014 para Claudia Sassou-Nguesso, filha do presidente do país africano. Denis Sassou-Nguesso está no poder ininterruptamente desde 1997 e, desde 2010, é alvo de investigação na França por lavagem de dinheiro com a compra de mansões e carros.
O principal intermediário na compra do apartamento de Nova York foi o empresário e ex-boleiro português José Veiga, que desde 2011 atuou na prospecção de negócios para a Asperbras no Congo e é alvo de uma investigação do ministério público e da polícia judiciária portugueses, suspeito de articular um esquema de corrupção internacional.
Veiga chegou a ser preso em 2016 em Portugal, acusado de corrupção e lavagem de dinheiro por ter supostamente angariado dezenas de milhões de dólares em suborno, investidos na compra de imóveis para a família do presidente Denis Sassou-Nguesso, em contrapartida a mais de US$ 1 bilhão em contratos públicos concedidos pelo governo do Congo para a Asperbras. A informação foi obtida pelo jornal português Expresso. Veiga foi depois solto e o processo corre em segredo de Justiça.
De acordo com a pesquisadora Mariana Abreu, autora da investigação da Global Witness, "a Asperbras precisa ser questionada sobre suas relações com José Veiga".
"Hoje sabemos que Veiga se juntou à filha do presidente do Congo e usou vários instrumentos do sistema financeiro global para potencialmente lavar milhões de dólares com indícios de origem nos cofres públicos do Congo por meio da compra de uma propriedade de luxo do império Trump", disse. "Esse dinheiro deveria ser gasto em benefício do povo do Congo."
Em nota, a Asperbras informa que Veiga "nunca foi acionista, diretor ou representante" da empresa, e que "desconhece quaisquer operações financeiras realizadas pelo senhor José Veiga com eventuais relações desse com pessoas politicamente expostas no Congo".
A empresa afirma ter celebrado "contratos de obras públicas com vários e diferentes ministérios", todos com "aprovação presidencial" e que cumprem "todos os procedimentos previstos na lei da República do Congo".
O relatório da Global Witness divulgado nesta quarta-feira (10) mapeia um sinuoso fluxo de recursos que sai dos cofres congoleses e passa pelas Ilhas Virgens Britânicas, Chipre e EUA.
O documento aponta que empresa do grupo Asperbras baseada em Delaware, nos EUA, recebeu, em novembro de 2013, US$ 675 milhões (mais de R$ 2,5 bilhões) do tesouro do Congo. Em 9 de dezembro daquele ano, José Veiga criou a empresa Sebrit Limited, no Chipre, a partir de duas outras empresas das quais era único diretor e acionista.
Apenas dois dias depois, a novata Sebrit assinou contrato com a subsidiária da Asperbras nas Ilhas Virgens Britânicas, Energy and Mining Asp. Inc., para a elaboração de um "relatório geofísico" e para a prospecção de novos negócios.
No mesmo dia, a empresa em Delaware transferiu recursos para a Energy and Mining, que, em janeiro de 2014, repassou US$ 19,5 milhões para a Sebrit.
Documentos cartoriais do Congo-Brazzaville, no entanto, informam que Veiga transferiu todas as ações das empresas donas da Sebrit para Claudia Sassou-Nguesso, que, por sua vez, entregou ao português a administração das mesmas, sem direito a participação nos lucros.
De acordo com a investigação, apenas alguns meses depois, o apartamento 32G da Trump International, de 165 metros quadrados e uma ampla vista para o Central Park, foi comprado pela Sebrit por meio do escritório de advocacia K&L Gates, um dos maiores dos EUA.
O escritório criou uma empresa, a Ecree LLC, apenas dois meses antes da compra. Registrada no nome de um advogado do escritório e com endereço em sua filiam de Newark, a Ecree consta como compradora do imóvel, ainda que documentos revisados no relatório da ONG britânica descrevam transferências da Sebrit para a K&L Gates, a Trump International Management Corporation e o advogado representante do vendedor do imóvel.
Ainda que não exista nos EUA exigência legal para que escritórios de advocacia ou o setor imobiliário realizem a checagem da origem lícita de recursos empregados em negócios, a Global Witness informa que pretende, com o relatório, alertar autoridades sobre o imperativo de modificar "sistemas que favorecem a corrupção e a lavagem de dinheiro de elites políticas como os Sassou-Nguesso".
"Nossa investigação fornece evidências de que políticos e empresários de reputação duvidosa escolheram esconder seu dinheiro em uma propriedade com a marca Trump", disse Abreu, da Global Witness. Na época da transação, o presidente Donald Trump ainda estava à frente de algumas das empresas envolvidas na venda do apartamento.
"As organizações Trump precisam ser seriamente questionadas sobre a qualidade dos procedimentos de checagem de antecedentes dos compradores desse apartamento. E precisam explicar por que prosseguiram com essa transação apesar do risco aparente de ela estar associada a corrupção e lavagem de dinheiro", considera Abreu.