Guerra comercial atinge cães e gatos de estimação na China
Olivia Ren jamais esperava que a guerra comercial entre os Estados Unidos e a China afetasse Dada.
Dada é o golden retriever muito amado de Ren, e ela paga caro em Xangai por uma marca americana de ração animal chamada Canidae, para que ele possa comer o que existe de melhor. Ren costuma provar a comida do cachorro frequentemente para garantir que não esteja passada ou envenenada –o que ela acredita costuma acontecer com a ração animal na China.
Agora, a Canidae e outras marcas americanas de comida para cachorro se tornaram dano colateral em uma guerra comercial que abarca centenas de bilhões de dólares em produtos que fluem entre os dois países. Especialistas em rações animais dizem que as autoridades chinesas estão retendo embarques desses produtos na alfândega desde maio, para retaliar contra os Estados Unidos. Novas tarifas que entraram em vigor em julho também tornaram a ração animal mais cara.
Em junho, desesperada por garantir estoques, Ren comprou 90 quilos de Canidae para Dada e para o cachorro de seu namorado, um buldogue francês chamado Houhou.
"Tenho pesadelos que me fazer pular da cama à noite, ansiosa com a possibilidade de que não possa mais comprar Canidae", ela disse.
Ren não é o único proprietário chinês de animais de estimação que está tentando agir. Austin Chen, que mora na cidade de Guangzhou, vem formando um estoque da comida de seu gato Fera, caso a marca americana de ração para gatos que o felino prefere seja a próxima a entrar na lista.
"É a primeira vez que percebi a guerra comercial influenciando profundamente minha vida e a do meu gato", ele disse.
Os proprietários exigentes de animais de estimação, como Chen, são minoria na China, mas seus problemas podem pressagiar tensões mais fortes, à medida que a guerra comercial se aprofunda. As tarifas retaliatórias chinesas tornaram a soja e a carne importadas mais caras, em um país que depende de importações para atender a boa parte de suas necessidades alimentares. As atitudes da China podem se enrijecer se uma guerra comercial prolongada levar a preços mais altos, mas isso também pode colocar pressão sobre Pequim para que obtenha concessões ou ceda - e as duas opções portam grandes riscos para os líderes da China.
A ração para animais de estimação poderia parecer um alvo improvável em uma guerra comercial, mas demonstra a criatividade que as autoridades chinesas precisam exercer se desejam impor represálias ao presidente Donald Trump. A China não importa o suficiente para equiparar dólar por dólar as tarifas impostas por Washington sobre mais de US$ 250 bilhões (R$ 920 bilhões) em produtos chineses. Em, lugar disso, Pequim adotou diversas medidas heterodoxas, como bloquear a tomada de controle acionário de uma grande empresa e criar obstáculos administrativos para os carros importados, nos portos chineses.
Os animais de estimação se tornaram grande negócio na China. A disparada nos preços dos imóveis e outros custos tornou proibitivamente dispendioso começar uma família, para quem mora nas grandes cidades. Muitas dessas pessoas optaram em lugar disso por comprar animais.
De acordo com a corretora de valores China Securities, de Pequim, os gastos com animais de estimação na China cresceram em mais de 800% desde 2010, para cerca de US$ 25 bilhões (R$ 92 bilhões) ao ano, em geral com gatos e cachorros. O mercado continua a crescer. A população da China é quatro vezes maior que a dos Estados Unidos, mas o país tem cerca de metade do número de animais de estimação, com 51 milhões de cachorros e 41 milhões de gatos.
E muita gente simplesmente não confia na ração chinesa para animais. Em um país onde até mesmo o leite em pó e vacinas para crianças já registraram problemas de qualidade, os donos de animais de estimação muitas vezes veem os produtos importados como mais seguros.
Independentemente da origem da comida, alguns proprietários, como Ren, costumam experimentá-la em pessoa. Se ela tiver cheiro ou gosto de peixe podre, carne de frango em decomposição ou outras coisas desagradáveis, eles não permitem que seus animais comam.
"Se a comida de cachorro não estiver fresca, terá gosto de óleo de cozinha passado, contendo gordura", disse Ruan Qionghao, outro morador de Xangai, dono de um golden retriever chamado Mixiu.
Não existem estudos científicos revisados por especialistas e publicamente disponíveis sobre a questão da ração animal na China. Mas os consumidores chineses encaram com cautela uma gama cada vez maior de produtos nacionais, especialmente depois que seis crianças morreram e quase 300 mil adoeceram por conta de leite em pó contaminado, uma década atrás, e que quase um milhão de vacinas para crianças foram expostas como defeituosas, no trimestre passado.
Nos Estados Unidos, a FDA (Food and Drug Administration), agência de fiscalização e regulamentação de alimentos e remédios, vem divulgando alertas desde 2014 sobre comidas para animais de seis fabricantes chineses. Naquele mesmo ano, a cadeia americana de varejo Petco anunciou que suspenderia a venda de comida para animais fabricada na China. A PetSmart, outra grande cadeia americana de comércio de produtos para animais de estimação, rapidamente seguiu esse exemplo, embora produtos chineses continuem à venda em diversas lojas americanas.
Em um escândalo separado, resíduos químicos da produção de plásticos foram identificados, em 2007, como parte de complementos de baixo preço usados em comida para animais chinesa exportada aos Estados Unidos.
"A ração animal nacional é venenosa", disse Elaine Sun, dona de um poodle em Wuxi, uma cidade perto de Xangai. "Não importa o quanto eles repitam que é boa, nunca confiarei nesses produtos".
Ding Limin, especialista em nutrição animal na Universidade Agrícola da China e membro de uma comissão governamental sobre padrões de qualidade de ração animal, disse que havia pouca diferença de qualidade ou valor nutritivo entre a comida para animais chinesa e a importada.
As políticas comerciais afetam há muito o cenário da comida para animais na China. Pequim proíbe importações em larga escala de ração animal contendo carne bovina ou de frango, invocando temores da doença da vaca louca e gripe aviária, ainda que tenha relaxado suas regras dois anos atrás para permitir importações online. Em parte como resultado dessas restrições, no ano passado a China exportou US$ 148 milhões (R$ 544 milhões) em comida para animais aos Estados Unidos e importou apenas US$ 6,5 milhões (R$ 23,02 milhões).
A China também começou a permitir importações de carne bovina americana para consumo humano, no ano passado, em grande volume.
Executivos do setor na China dizem que importar ração animal dos Estados Unidos se tornou mais difícil desde maio, e que a culpa é da guerra comercial. O EPet, um mercado online de produtos para animais de estimação chinês, afirmou na metade de setembro que os controles de importação estavam se tornando mais rigorosos e que as autoridades estavam executando mais inspeções.
"Infelizmente, a indústria de ração animal foi afetada pela tempestade comercial", a empresa afirmou.
Roy Cheng, agente de importação que trabalha com comida americana para animais em Xangai, disse que os produtos que importa sofreram pelo menos seis inspeções nos dois últimos meses. Antes da guerra comercial, acontecia menos de uma inspeção por mês, ele disse.
"Estou me transformando em político, assistindo a noticiários sobre a guerra comercial a cada dia, embora eu seja apenas um vendedor de comida para animais", ele disse.
Tradução de PAULO MIGLIACCI