Guerra Fria ganha novo significado para fuzileiros dos EUA em exercício da Otan

Entre as centenas de fuzileiros navais que embarcavam nos veículos anfíbios de ataque nesta semana, para ir do mar gelado à praia gelada, o suboficial Jacob Boutte portava uma arma secreta: ceroulas de lã de carneiro pretas.

Elas não fizeram parte do kit padrão dos fuzileiros durante 17 anos de mobilização nos climas mais quentes do Iraque, da Síria, de Djibuti e do sul do Afeganistão. 

Assim, enquanto se preparava para embarcar nesta semana em um dos maiores exercícios da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) desde o fim da Guerra Fria, Boutte pediu ajuda aos aliados. “Conversei com os noruegueses sobre o que eles usavam”, disse ele. 

“Nós não lutamos em clima frio há muito tempo”, acrescentou o sargento Juan Carlos Banda, líder de pelotão na 24ª Unidade Expedicionária dos Fuzileiros Navais, baseada em Camp Lejeune, na Carolina do Norte.

Pairando sobre o exercício Trident Juncture na Noruega e entre os cerca de 15 mil soldados americanos participantes —na maioria fuzileiros navais—, há uma narrativa muito difundida sobre a possível próxima guerra da aliança. O adversário mais imediato fica mais perto da Europa setentrional: a Rússia.

O presidente do país, Vladimir Putin, não fez segredo de seu desagrado pela intrusão da aliança atlântica em território que ele considera parte de sua esfera de influência —particularmente os países bálticos e os Bálcãs. 

Desde que Moscou tomou a Crimeia da Ucrânia, em 2014, as autoridades ocidentais temem que os países da Otan sejam os próximos alvos. 

A guerra no norte da Europa é totalmente diferente. Ela exige atenção a pequenos detalhes, como carregar lubrificante especial para o frio para metralhadoras, assim como decisões gigantescas, como movimentar milhares de homens e mulheres, e suas máquinas e armas pesadas, por campos cobertos de neve —algo com que as tropas americanas não tiveram de se preocupar em mais de meio século.

Os americanos aqui estão entre 50 mil militares aliados que participam do exercício Trident Juncture [algo como junção tripla], baseado em Trondheim, na Noruega. A linha oficial, segundo o tenente-coronel Ben Sakrisson, é que o jogo de guerra tem natureza totalmente defensiva.

Em um e-mail à imprensa antes do início do exercício, Sakrisson disse que o Trident Juncture “se concentra em garantir a continuidade da liberdade de nossos aliados e parceiros, e seus cidadãos”.

“O mais forte fator de dissuasão contra qualquer adversário invadir o território de nossos países é uma capacidade defensiva verídica e bem treinada”, disse ele.

Sem provocação, a aliança atlântica não pretende atacar a Rússia. Mas membros do grupo na Europa do Leste temem que Putin em certo momento desafie seu pacto de defesa coletiva, segundo o qual um ataque a um dos membros aliados é um ataque a todos. 

Neste ano, o presidente dos EUA, Donald Trump, questionou o pacto atlântico, colocando a aliança sob os holofotes e potencialmente enfraquecendo sua espinha dorsal. 

A premissa do exercício Trident Juncture 2018 é que a Noruega foi invadida por Forças do Sul hostis. Para fins do jogo de guerra, os invasores inimigos estão sendo representados principalmente por tropas italianas, alemãs, holandesas e britânicas.

Em seu socorro, chegam as Forças do Norte que representam a Otan —fuzileiros navais dos EUA e brigadas de soldados da Noruega, Suécia e Canadá. 

No mês passado, dias depois que o furacão Florence destruiu grande parte do sudeste dos EUA, os fuzileiros e 1.500 membros da Marinha saíram de Norfolk, na Virgínia, a bordo do navio anfíbio de ataque USS Iwo Jima. 

Eles suportaram o mar agitado e ventos gélidos durante dez dias no oceano Atlântico antes de chegarem a Reikjavik, na Islândia.

Os fuzileiros no navio estavam preparados para praticar um ataque em Reikjavik antes do exercício na Noruega, mas tiveram de cancelar.

“As condições do mar estavam duras demais”, disse na segunda-feira em uma entrevista o almirante James Foggo 3º, chefe do Comando Conjunto Aliado baseado em Nápoles, na Itália. “É um exercício, não uma guerra, e decidimos adiar porque não queríamos inundar os veículos.” 

O exercício começou na segunda-feira (29) e se estendeu por dois dias. Nele, os fuzileiros desembarcaram de grandes hovercrafts que transportaram tropas e veículos do Iwo Jima até a praia no litoral da Noruega. 

Em terra, eles escalaram morros íngremes e se movimentaram por estradas rumo ao sul, na direção das forças inimigas interpretadas pelos italianos.

O jogo de guerra continuará até 7 de novembro e incluirá ataques falsos a cidades norueguesas e a uma estação de esqui. Os testes envolvem travessias de água e batalhas clandestinas —sem fogo real, para alegria dos moradores. 

É o maior ensaio do Trident Juncture desde 1991, quando terminou a Guerra Fria. Os 50 mil soldados —dos 29 países membros da Otan, mais Finlândia e Suécia— chegaram nos últimos 30 dias, com 65 navios, 250 aviões de guerra e mais de 10 mil veículos.

As autoridades disseram que a aliança quer demonstrar sua capacidade de montar uma reação em plena escala a uma invasão a um país aliado, partindo de diversos locais, em 30 dias. 

A Rússia certamente tomou nota, e Moscou enviou observadores oficiais ao exercício. Oficiais americanos disseram que os russos também alugaram fazendas no campo norueguês para vigiar sem autorização as táticas militares da Otan. 

E autoridades russas disseram que sabem que o exercício visa a eles.  “Toda essa conversa de que a Rússia não é o alvo do Trident Juncture é balela”, disse o tenente-general Valery Zaparenko, ex-vice-chefe do comando geral russo, à televisão estatal russa RT. 

“Mesmo que a Otan diga o contrário, o Trident Juncture é na verdade uma preparação para um conflito armado em grande escala em regiões limítrofes com a Federação Russa.”

Apesar da demonstração de força, porém, as tropas têm encontrado dificuldades no clima frio.  Dois soldados italianos sofreram hipotermia no domingo, depois de passar a noite em temperaturas abaixo de zero.

O capitão Joseph O’Brien, comandante do Iwo Jima, viu-se de repente inspecionando os aquecedores do navio —ao voltar de cinco meses na costa de Djibuti— para se certificar de que ainda funcionavam. 

E o cabo Jeremy Seabridge, um atirador dos fuzileiros navais, disse que estava concentrado em garantir que seus soldados troquem as meias regularmente para evitar frieiras, causadas pela exposição prolongada ao frio. 

“Muitos deles vêm de estados sulistas”, disse o cabo Derek Hussinger, que é atirador de metralhadora.

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