STF foi ágil e claro em decisão sobre operações em universidades
Para o STF (Supremo Tribunal Federal), o Estado não pode controlar o conteúdo das manifestações intelectuais realizadas em universidades públicas e privadas.
Nos dias que antecederam a votação do segundo turno da eleição presidencial deste ano, forças policiais realizaram ações em mais de 20 universidades públicas, interrompendo aulas, palestras, debates e atos, coletando informações de alunos e professores, bem como recolhendo faixas, computadores e outros materiais, com autorização da Justiça Eleitoral.
Na Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), por exemplo, policiais tentaram retirar faixas mesmo sem autorização judicial. A resposta institucional foi rápida, clara e estruturada.
No mesmo dia as ações policiais foram condenadas por instituições que tutelam as liberdades individuais e públicas, como a Defensoria Pública da União, a Procuradoria Federal dos Direitos dos Cidadãos do Ministério Público Federal, a Ordem dos Advogados do Brasil e o Instituto dos Advogados do Brasil. No dia seguinte, a Procuradora-Geral da República ajuizou ação no STF para que o tribunal garantisse a liberdade acadêmica. Em seguida, a ministra Cármen Lúcia decidiu monocraticamente pela ilegalidade desses atos de censura à atividade intelectual.
Quase todas as instituições que se manifestaram no processo afirmaram que a liberdade acadêmica não tem como conviver com a possibilidade de o Estado e a força policial controlarem o que pode ou não ser dito por professores e alunos. Somente a Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) rechaçou a ideia de um livre mercado de ideias nas universidades. Para tal associação, professores não teriam a liberdade, por exemplo, sequer de relatar os riscos de tortura em regimes autoritários.
Levado o debate ao plenário, a decisão foi unânime e referendou a liminar da ministra Cármen Lúcia, suspendendo todos os atos judiciais ou administrativos que tinham por objetivo promover ou permitir o ingresso de agentes policiais, a interrupção de aulas, tomada de depoimentos, ou quaisquer outros atos atentatórios à liberdade de pensamento, manifestação de alunos e professores, de cátedra e acadêmica, em universidades públicas ou privadas. A decisão deve perdurar até julgamento final de mérito.
Os ministros rechaçaram por completo a acusação de que as universidades estariam infringindo a legislação e fazendo propaganda eleitoral irregular. Pelo contrário, estavam exercendo as liberdades constitucionalmente asseguradas. Os ministros trataram de outros episódios de cerceamento de liberdade, como o recente movimento de constrangimentos a professores durante suas aulas, e recordaram infelizes episódios de queima de livros, censura a obras artísticas e a movimentos de reivindicação de direitos.
Mais importante que a decisão em si foi o tom dado pelos ministros. O caso foi tratado como extremamente grave, um atentado a valores do Estado de Direito, um flerte com o autoritarismo e com a tirania.
O referendo dessa liminar, processualmente, foi sobre liberdade acadêmica e de cátedra nas universidades; a liberdade de pensar, ensinar e se posicionar no âmbito do ensino superior.
Mas o recado dado foi muito mais amplo.
A liberdade de expressão foi exaltada enquanto um valor que abrange uma série de outras garantias para jornalistas, veículos de imprensa, professores, escolas, universidades, movimentos sociais, partidos políticos, escritores, artistas.
Neste episódio, Procuradoria-Geral da República, Defensoria Pública da União e OAB agiram com rapidez e o tribunal, por sua vez, reagiu com a força e contundência necessárias à preservação da Constituição. Com isso, o Supremo deu um importante passo na construção de uma arquitetura de defesa da liberdade contra a opressão.
Professor e coordenador do Supremo em Pauta da FGV Direito SP