Irã processa EUA em corte da ONU por sanções após saída de acordo nuclear

O Irã abriu um processo contra os Estados Unidos na Corte Internacional de Justiça (CIJ) argumentando que a retomada das sanções econômicas anunciada por Trump em maio deste ano é ilegal.

Segundo o documento apresentado pelo governo iraniano à CIJ no último domingo (16), a saída dos EUA do acordo nuclear do Irã e o consequente restabelecimento das punições violaram um tratado de amizade firmado em 1955 entre os dois países.

O processo tem como objetivo responsabilizar os Estados Unidos por sua "reintrodução unilateral de sanções”, disse o chanceler iraniano Javad Zarif em uma rede social.

Ele afirmou ainda que o Irã está comprometido com o Estado de Direito “em face do desprezo americano à diplomacia e a suas obrigações legais”.

“É imperativo combater o hábito [dos EUA] de violar o direito internacional”, disse Zarif.  

Em maio deste ano, Trump concretizou uma de suas promessas de campanha e anunciou que os EUA deixariam o acordo que tinha sido negociado e concluído por seu predecessor, Barack Obama.

França, Alemanha, Reino Unido, China, Rússia e União Europeia, que também são partes do tratado, criticaram fortemente a saída americana, mas decidiram continuar cumprindo os termos acordados. 

Trump fez várias críticas e ameaças de retirada antes de anunciar a decisão, além de chamar o tratado de catastrófico, desastroso e insano.

Sob os termos do Plano de Ação Conjunto Abrangente, como é oficialmente chamado o acordo nuclear, Teerã se comprometeu a reduzir seu estoque de urânio e suas unidades de enriquecimento em troca da suspensão das sanções do Ocidente.

A Agência Internacional de Energia Atômica (Aiea), responsável por fiscalizar a implementação do tratado, tem reiterado que o Irã vem cumprindo suas obrigações.

"O Irã está sujeito ao regime de verificação nuclear mais robusto do mundo", afirmou seu diretor, Yukiya Amano, à época do anúncio da decisão dos EUA.

Liminar

Segundo Teerã, as medidas adotadas por Washington violam as cláusulas de tratamento justo e equitativo ("fair and equitable treatment") e menos favorável ("less favorable treatment") do tratado de amizade. 

De modo geral, esses dispositivos —que são comuns em tratados comerciais bilaterais— determinam que as partes não podem tratar de forma discriminatória os cidadãos e empresas do outro país. 

O governo iraniano incluiu em sua petição à Corte um pedido de medida cautelar para que os Estados Unidos suspendam imediatamente as sanções.

“Há um risco real e iminente de prejuízo irreparável”, diz o documento.

De acordo com as regras da Corte, o próximo passo é a realização de uma audiência para julgamento do pedido de liminar, cuja data ainda não foi marcada.

Na ocasião, é provável que os Estados Unidos contestem a competência da Corte para solucionar a disputa, como fizeram em um outro processo também iniciado pelo Irã com base no mesmo tratado. 

Historicamente, o país tem adotado uma posição de resistência perante as ordens do Tribunal de Haia. 

Histórico tumultuado

Em 1984, a Nicarágua processou os Estados Unidos na CIJ, argumentando que Washington havia apoiado, militar e financeiramente, os Contras —milícias de direita que lutavam contra o governo sandinista.

O governo americano contestou a competência da Corte para julgar a disputa. Quando o tribunal decidiu pelo contrário, os EUA abandonaram o processo.

Jeane Kirkpatrick, embaixador americano na ONU à época, afirmou que a Corte era um órgão “semilegal, semijudicial, semipolítico ao qual as nações obedecem às vezes, e, outras vezes, não”.

Em junho de 1986, os Estados Unidos foram condenados a indenizar a Nicarágua. A sentença nunca foi cumprida.

Embora as decisões da Corte sejam vinculantes, o órgão não possui instrumentos para obrigar os países a cumpri-las. Por isso, há casos em que seus julgamentos foram simplesmente ignorados pelas partes perdedoras. 

O governo americano novamente rejeitou a autoridade da Corte e descumpriu sua decisão em 1999.

Os irmãos Karl and Walter LaGrand foram detidos e presos no estado do Arizona por latrocínio. Apesar de terem vivido nos EUA desde a infância, ambos eram alemães e nunca obtiveram a cidadania americana.

Quando foram condenados à pena de morte, a Alemanha processou os EUA na Corte, argumentando que o país havia violado a Convenção de Viena de Assistência Consular.

O tratado determina que os estrangeiros detidos têm direito de informar o consulado de seu país de origem da sua situação, bem como de consultar representantes diplomáticos no curso do processo judicial.

O processo foi aberto poucas horas antes do horário marcado para a execução de Walter LaGrand —seu irmão já tinha sido executado. A Alemanha obteve uma liminar que ordenava que os EUA suspendessem a execução e aguardassem uma decisão final da CIJ antes de dar andamento ao caso.

Washington ignorou a decisão, e Walter foi morto. No curso do processo, os EUA argumentaram que a execução penal é de competência estadual e que, por isso, o governo federal não pôde intervir.

Outros casos

Não será a primeira vez que Irã e Estados Unidos se enfrentarão na Corte, principal órgão judicial da ONU e com sede em Haia, na Holanda.

Um dos casos mais famosos do tribunal é o “Pessoal Diplomático e Consular dos Estados Unidos em Teerã (Estados Unidos v. Irã)”, de 1979.

À época, os EUA decidiram processar o Estado iraniano pelo episódio conhecido como a crise dos reféns americanos.

Durante a revolução de 1979, manifestantes iranianos que protestavam em frente à embaixada americana em Teerã invadiram o prédio e fizeram 66 americanos reféns. O resgate de alguns deles é retratado no vencedor do Oscar de melhor filme de 2013, “Argo”, dirigido por Ben Affleck

O Irã se recusou a reconhecer a competência da Corte para o caso e não se defendeu no processo. 

A CIJ decidiu em favor dos EUA por entender que, mesmo sem ter ordenado diretamente a invasão e o sequestro, o Irã não impediu os atos violentos.

Os países também são partes em um outro caso em andamento, iniciado pelo Irã em 2016.

No processo, o governo iraniano questiona o congelamento de bens de sua propriedade feito pelos EUA como parte de seu regime de sanções. A primeira audiência está marcada para outubro. ​

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