Menu-degustação é via-crúcis gastronômica

 

Talvez você seja fã de Tarantino. Ou de Lars Von Trier –há gosto para tudo. Mas suponhamos que você tenha um certo fetiche pela obra de David Lynch.

Assistir a um filme dele é moleza. “A História Real”, do tiozinho que cruza os EUA num cortador de grama, chega a ser agradável.

Agora, pense só. Uma maratona cinematográfica de David Lynch. Começando com “O Homem Elefante”, lá pelas 19h, e prosseguindo noite adentro com “Veludo Azul”, “Duna”, “Coração Selvagem”. Pausa para o xixi da madrugada, “Cidade dos Sonhos” e, para saudar a alvorada, uma colagem aleatória de fragmentos de “Twin Peaks”.

Um programa assim agrada a meia dúzia de malucos com interesses muito específicos. Para o resto da humanidade, é uma provação.

A mesma coisa com os menus-degustação oferecidos por chefs de prestígio. Gente que cozinha muito bem.

Não me refiro a cardápios com quatro ou cinco etapas. Falo de 20, 25, 30 micro-pratos em sequência. Cada um deles, uma estação da via-crúcis gastronômica.

Essas degustações são portfólios dos chefs. Currículos comestíveis. O LinkedIn da gastronomia. Para o autor é interessante servi-las, pois atraem a atenção dos formadores de opinião.

Para quem paga pelo jantar, pode ser bacana em alguns contextos.

Quando alguém tem uma oportunidade rara de conhecer um restaurante em particular. Optar por um prato da carta pode ser arriscado –e se a escolha for um desastre?

Ou então quando um grupo de amigos se reúne para esse fim. O assunto da mesa vai ser comida porque todos querem falar de comida. Não porque a situação os obriga.

Para quem quer apenas ter uma noite bacana, tudo muda de figura.

Jantares de degustação são excruciantemente longos. Você passa três, quatro horas sentado. A bunda dói. O sono vence a fome. Você só quer ir embora.

O garçom interrompe sua conversa a cada cinco minutos. Seja com um prato novo, seja para encher a taça. “Mais vinho, senhor?” “Não, amizade, quero fazer esta garrafa durar a noite toda.”

Você se entope de tanto comer. Engole o primeiro amuse-bouche com avidez, pensando: “Miseráveis, vou sair daqui com fome”. Lá pelo vigésimo serviço, antes do prato de carne e da primeira pré-sobremesa, você não aguenta mais ver comida.

Mas come assim mesmo. Sair antes do fim seria uma ofensa para o chef. Não sei se alguém já pediu para embrulhar os sete pratos finais do banquete. Parece-me inadequado.

Quando um chef serve um menu de 17 ou 23 etapas, desprotege os flancos e revela os seus cacoetes. O cliente repara que o molho da ostra é igual ao do tartar de avestruz. Percebe que o mesmo peixe é servido em cinco etapas, do rabo à bochecha. Nota que o cozinheiro aproveitou o preço baixo da abóbora no sacolão.

Enfim, uma degustação é bolada para fascinar com a magia dos múltiplos sabores –mas costuma ter o efeito inverso. Ao expor as entranhas do restaurante, rouba a graça da experiência.

Putz, esqueci de falar do preço. Fica para a próxima.

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