Irmãos se tornam principal pilar de apoio civil à ditadura na Venezuela
Enquanto os militares continuam sendo um dos pilares mais importantes a sustentar a ditadura de Nicolás Maduro, desde 2013 os irmãos Rodríguez vêm ganhando mais espaço e um lugar privilegiado na chamada “nomenklatura” —expressão da URSS para designar a cúpula do poder— venezuelana.
Delcy e Jorge Rodríguez são responsáveis pela maioria das medidas relacionadas à parte civil do regime e pela construção de seu discurso ideológico.
Delcy, 49, vice-presidente do país, é autora de famosos ataques verbais contra inimigos externos do regime, além de popular por sua retórica engajada nas redes e pela presença em distintas áreas-chave do regime: política externa, articulação com a Assembleia Constituinte e o Judiciário.
Seu irmão, Jorge, 53, é o atual ministro da Comunicação. Ex-vice-presidente de Hugo Chávez (1948-2013), ele tem imensa influência na construção do “relato” oficial —o de que a Venezuela é uma potência que tem sofrido uma “guerra econômica” por parte dos EUA e de seus “países satélites”, leia-se Colômbia, Brasil, Argentina, Chile e Peru.
Segundo a versão do regime, o país “resiste devido à força da Revolução Bolivariana”; a Assembleia Nacional não tem poderes porque está “em desacato”; e a razão da falta de alimentos e remédios no país é a “oligarquia de extrema-direita, que está associada aos EUA” —expressões repetidas incansavelmente pelos seguidores do chavismo.
Jorge também tem grande poder junto às forças de inteligência e está por trás de vários episódios de prisões e deportações de inimigos do poder.
Os irmãos estiveram no centro das atenções nesta semana, quando atuaram rapidamente na interrupção da entrevista de Maduro ao repórter mexicano-americano Jorge Ramos e na sua posterior deportação do país, por “insultar o presidente e a Venezuela”.
No Palácio de Miraflores, sede do regime, Ramos mostrou a Maduro um vídeo gravado por ele nas ruas de Caracas, no qual moradores se alimentavam de comida tirada de um caminhão de lixo.
Alguns dias antes, os dois saíram na TV comentando a tentativa fracassada de entregar ajuda humanitária pelas fronteiras com a Colômbia e o Brasil no fim de semana passado.
Primeiro foi Delcy. Ela afirmou que a violência perpetrada para impedir a entrada dos caminhões havia sido um “pedacinho do que estamos dispostos a fazer” para proteger a ditadura. Vale lembrar que o saldo foi de cinco mortos e mais de 50 feridos.
Já Jorge fez um longo discurso, contando que a tentativa de “invasão imperialista” havia fracassado, que a Venezuela não precisava de ajuda humanitária, que os caminhões haviam sido queimados por “agentes da oposição” e que o regime seguia forte como nunca.
Ambos têm imenso poder persuasivo e agem com muita convicção. Em 2016, quando a Venezuela foi suspensa do Mercosul, Delcy não teve dúvidas em viajar a Buenos Aires, sem ser convidada, e invadir uma reunião de chanceleres do bloco aos empurrões, forçando os diplomatas a fugir por uma porta lateral. Ela gravou a invasão, que viralizou nas redes sociais.
Já Jorge é mais sutil e gosta de armar guerras psicológicas para pressionar e manipular seus interlocutores a seu favor.
Uma vez, em entrevista à Folha, presenteou esta repórter com livros, porque disse que havia pesquisado seu nome na internet e sabia de seu interesse por literatura. Depois, disse que tinha lido suas reportagens e que essas tinham uma visão distorcida do país.
O tom era amável, porém intimidatório. Terminou autografando um romance erótico de sua autoria e dando-o de presente à repórter, dizendo que “gostaria muito de ouvir” sua opinião posteriormente.
Mas de onde vêm as convicções tão férreas de ambos? A história explica. Delcy e Jorge são filhos de um guerrilheiro marxista muito conhecido na Venezuela, Jorge Antonio Rodríguez, morto aos 34, em 1973.
Hoje um símbolo dos chavistas, o Rodríguez pai se destacou ao integrar as guerrilhas que nasceram na década de 1960 inspiradas pela Revolução Cubana (1959).
Foi um dos dirigentes do MIR (Movimento de Esquerda Revolucionária) e celebrizou-se por participar do sequestro de um americano que o grupo dizia ser um agente da CIA.
O Jorge Rodríguez filho tinha 11 anos quando o pai foi morto enquanto estava preso e era torturado. Delcy tinha 6. Ambos costumam dizer que a Revolução Bolivariana é uma continuação da luta do pai.
Delcy já se referiu ao que faz hoje como vingança por esse episódio traumático da infância. “Aqueles que te tiraram do caminho não sabiam que estavam abrindo milhões de caminhos de redenção para a nossa pátria”, disse, num discurso.
A debilidade de Maduro como orador tem dado ainda mais protagonismo aos irmãos, e Jorge não esconde suas pretensões de um dia presidir o país.
A oposição venezuelana, portanto, não tem apenas o desafio de enfrentar o pilar militar da ditadura, mas também o do discurso ideológico, defendido com unhas e dentes pelos determinados irmãos Rodríguez.