Israel faz os palestinos invisíveis
O Parlamento de Israel cravou o prego que faltava no caixão do processo de paz e até da convivência com os palestinos, ao aprovar projeto de lei que define Israel como um "Estado-nação do povo judeu". Só o povo judeu tem direito à autodeterminação.
Avaliação de um judeu (crítico do governo israelense, vale recordar), Michael Schaeffer Omer-Man, editor da revista eletrônica +972: “Um Estado que pertence a apenas alguns de seus cidadãos”, diz o título. Completa: “De acordo com a ‘Lei do Estado-nação do povo judeu’, Israel não pertence aos cidadãos de Israel, mais de 20% dos quais não são judeus” (são palestinos).
Não é o único judeu incomodado. A Liga Anti-Difamação, uma das entidades que mais defendem Israel de críticas e ataques de diferentes naturezas, emitiu nota em que diz que a nova lei “desperta preocupações acerca dos compromissos de Israel com sua natureza democrática".
Continua: “Israel tem a obrigação de assegurar que, na prática, esta Lei Básica não seja usada para discriminar contra minorias, particularmente seus cidadãos árabes, e de manter seu compromisso de melhorar as relações entre judeus em Israel e aqueles ao redor do mundo".
Se é o que pensam alguns judeus, mesmo quando alçados à condição de únicos donos de Israel, é inescapável que os palestinos e, mais amplamente, os muçulmanos reajam com fúria.
A Organização para a Cooperação Islâmica —que reúne 57 países de maioria muçulmana— diz que a nova legislação viola leis e normas internacionais, “enfatizando o racismo de Israel e a falta de consideração para com os palestinos". Seu secretário-geral, Yusuf Al-Uthaymeen, acrescenta que faz parte “das políticas de Israel para erradicar a identidade palestina".
É óbvio que o fato de a lei ter degradado o árabe de língua oficial para o status apenas de “especial” fortalece o argumento de Yusuf.
Consequência inescapável: os palestinos põem no jogo a palavra “apartheid” para caracterizar a nova legislação. Hassan Jabareen, do Centro Legal pra os Direitos da Minoria Árabe em Israel, diz que a lei traz “elementos-chaves de apartheid". Acrescenta que “Israel faz da discriminação um valor constitucional".
É isso. A discriminação contra os árabes que vivem em Israel sempre existiu e é visível a olho nu. Basta comparar as condições de vida e os serviços prestados nos bairros judeus e nos bairros palestinos de Jerusalém para comprová-lo.
O ponto, portanto, é entender por que, agora, se dá esse passo. Comenta Il Sole 24 Ore, excelente jornal italiano: “Quem quer que tenha estado em Israel jamais imaginou que chegava a um lugar que não fosse o país dos hebreus. A Menorah [candelabro de sete pontas que é o mais antigo símbolo judaico] e a a estrela de David como símbolo do Estado e as listas azuis na bandeira que recordam o talit [manto hebraico de orações] são uma comprovação".
Depois da nova lei, prossegue o jornal, o país continua o mesmo, “mas em uma época de nacionalismo, soberanismo e tribalismo não havia outra razão [para a nova lei] se não a de reafirmar o aspecto étnico e nacionalista de um país e de uma história única no mundo".
Posto de outra forma: Israel segue Trump e decreta o seu próprio mantra de “Israel Primeiro". Tem força suficiente para discriminar de vez os palestinos, mas eles continuarão a existir onde estão e a reivindicar o seu direito à autodeterminação —aliás concedida por determinação das Nações Unidas. Como Israel vai lidar com esse fato inexorável da vida, a nova lei não diz.