Jingles da campanha refletem crise criativa da música popular
Quem escutar as músicas de campanha já lançadas por candidatos à Presidência da República pode até pensar que os compositores encarregados da tarefa tinham de seguir duas regras rígidas: misturar apenas ritmos brasileiros populares, como sertanejo e forró, e escrever as letras das canções a partir do verbo “mudar”.
A insatisfação com a crise econômica empurra os letristas a clamar por mudanças. É curioso perceber que, entre as músicas divulgadas, apenas dois candidatos não empregam esse verbo nos jingles. Talvez porque enfrentem um impedimento semelhante.
Lula (PT) e Henrique Meirelles (MDB) podem estar associados demais à situação instaurada no Brasil. Lula, pela quase década e meia de governo do PT. Meirelles, porque há algumas semanas estava no comando econômico do país.
Qualquer um deles que falar em mudança corre o risco de oferecer um convite ao descrédito imediato. A reação de algumas pessoas pode ser perguntar por que então não mudaram alguma coisa antes, quando estavam no poder.
Assim, as músicas de Lula e Meirelles falam, no máximo, em “melhorar” a situação. Poeticamente, as duas letras usam o mesmo recurso no refrão, o verbo “chamar”. Uma diz para chamar o Lula que ele dá jeito. A outra, para chamar o Meirelles que a esperança vem bater à sua porta.
Musicalmente, essas duas seguem uma cartilha comum a todas: iniciar a música em ritmo lento, quase uma balada, e logo injetar uma pulsação forte, algo que muitos classificariam de “contagiante”.
Essa música para levantar correligionários é uma mistura disforme, construída com violas caipiras, sanfonas e batuques. Uma espécie de trilha sonora genérica para uma festa entre o caráter nordestino e o sertanejo.
De vez em quando, pode descambar para um peso maior, com pitadas de reggaeton ou puro axé, caso da música de Ciro Gomes (PDT). Esta usa a sonoridade do nome do candidato como mote rítmico, cantando “Cirô, ô, ô, ô!”.
As canções mais rançosas são as escolhidas por Álvaro Dias (Podemos) e Geraldo Alckmin (PSDB). Entre as inúmeras incitações às mudanças, têm letras pueris, como jingles de candidaturas de décadas passadas.
Os versos de apoio a Dias são os mais antiquados, defendendo que ele é “o cara que faz”. Quem não ouviu essa declaração antes em campanhas que levante a mão. Já Alckmin traz uma letra que reforça sua marca como “Geraldo”, recurso óbvio pela dificuldade que parte do eleitorado no país tem para lidar com a grafia e a pronúncia de seu sobrenome.
Depois de “mudar”, outra palavra-chave para as músicas é “coragem”. Não basta querer modificar as coisas, é preciso ter peito para impor as mudanças, não?
Assim, é natural que essa palavra esteja nas letras das músicas dos candidatos associados a discursos mais virulentos. Jair Bolsonaro (PSL) e Ciro Gomes são retratados nos versos como homens “de coragem”. A letra feita para a campanha de Bolsonaro é simplória, repetitiva, gruda no ouvido.
Já os compositores de Ciro exageraram. Apesar do refrão forte, aquele com “Cirô, ô, ô, ô”, escreveram quatro estrofes diferentes para quase três minutos de música. Além da conta.
Em oposição aos homens corajosos, Marina Silva (Rede) vem suave, com uma música que abre como balada sertaneja para depois ganhar algum peso percussivo. Não é nada marcante, não funciona. Mas vale registrar que é a única que cita nos versos o nome do candidato a vice, Eduardo Jorge.
O hit parade da eleição apenas espelha a crise criativa que assola a música popular no país. E até agora despreza o rap, que poderia contribuir com suas letras de urgência e palavras de ordem.