Luz enfim chega a escola do MA, mas ventilador e geladeira ainda são sonho

O último dia 10 de agosto foi de celebração na escola Inocêncio Garcês Machado, zona rural de Buriti (MA), a 332 km de São Luís. Parte dos alunos, familiares, o único professor dali (que ainda não se formou em um curso a distância) e a própria secretária de Educação se reuniram na unidade, no povoado de Brejinho, a 25 minutos de carro do centro por uma estrada de terra e pedras.

Depois de quase 20 anos de funcionamento, chegou a energia elétrica na escola.

Agora será possível colocar ali um valioso ventilador e uma geladeira para a merenda (que era trazida de moto pelo professor). O som de um alto-falante já pôde ser ouvida naquela manhã quente do interior maranhense.

A escola é uma das 67 unidades municipais de Buriti, onde estudam 10.366 alunos (20% na educação para jovens e adultos). A maioria das escolas (58) é rural. Essa era a única que não tinha energia, mas ela compartilha outras muitas carências com praticamente todas.

Nenhuma escola da cidade tem biblioteca ou laboratório. Por falta de salas, ou professores, todas as escolas rurais colocam na mesma sala alunos de séries diferentes.

"O recurso pedagógico aqui é só falar", diz a professora de português Maria de Jesus, 42. Não raro professores pagam do bolso a compra materiais.

A agricultora Maria Gonçalves, 56, vive a poucos minutos da escola que recebeu luz. A sua casa com paredes de barro e madeira permanece às escuras.

As duas netas de Maria (Taíla, 2, e Osllen, 5) estudam na escola vizinha, que atende só da educação infantil ao 5º ano. O que também é comum nas escolas rurais e representa um desafio: quem avança nas séries, tem que se deslocar até o centro. "Aqui o mais difícil é a água, que tem que buscar, e para minha filha, ir para escola", diz.

Maria de Fátima, 16, acorda às 4h30 e ajuda na roça antes de iniciar o trajeto de uma hora a pé entre a casa e a estrada de terra onde passa o ônibus escolar. Depois são 20 minutos até a cidade. "Quero continuar a estudar, mas penso em desistir todos os dias", diz ela, no 1º ano do ensino médio.

Com 28.306 habitantes, Buriti tem o menor orçamento de educação per capita do país, praticamente todo vindo Fundeb. Segundo dados de 2015, eram R$ 2.911,94 no ano.

A secretária de Educação, Rosinalva Cardoso, não esconde as dificuldades. "Temos muitos alunos não alfabetizados no 6º ou 7º ano", diz. Dos 189 estudantes do 9º ano que fizeram a última avaliação federal, só 4 (2%) tinham o aprendizado adequado em matemática. É a metade do apurado no estado do Maranhão (no Brasil esse índice é de 13%).

"Eu me sinto frustrada porque a maioria das coisas que queria fazer não consigo", completa a secretária.

As escolas funcionam em turnos de quatro horas. Desde a volta às aulas até meados de agosto não havia merenda porque, segundo a secretária, o automóvel que distribui os alimentos estava quebrado.

Presidente da Undime (que agrega os secretários municipais de educação), Alessio Costa Lima reforça que a situação dos municípios é bastante crítica. "Muitos estão em colapso, recursos não são suficientes para pagar a folha", diz.

Pela média, o gasto anual por aluno no Brasil passa de R$ 6.000. Mas só em 11% dos municípios isso é uma realidade. O restante tem bem menos que isso. Das 5.570 cidades do país, 62% (3.199) têm disponíveis menos de R$ 400 por mês por aluno.

Nas discussões sobre a revisão do Fundeb, tem ganhado força a necessidade de organizar a distribuição dos recursos a partir da realidade dos municípios (hoje, todas as cidades de um estado recebem o mesmo valor). O Fundeb reúne impostos de estados e municípios e uma complementação da União.

O modelo atual vence em 2020 e há dois projetos em trâmite no Congresso. Estão em discussão alterações que podem ampliar em até cinco vezes os investimentos da União e a melhoria dos critérios de distribuição –o que privilegiaria municípios mais pobres.

Em Monteiro Lobato (a 150 km de SP), mais de 90% das receitas vêm de transferências do governo federal e do estado. Mas, sem um olhar especial para as dificuldades locais, o próprio Fundeb não alterou muito a realidade de recursos do município –onde vivem 4.549 pessoas.

Segundo projeção do Todos Pela Educação, o fundo fez crescer em apenas 2% o valor anual que já havia para aplicar na educação. Hoje a cidade conta com investimento anual de cerca R$ 5.500 por aluno (62% oriundos do Fundeb).

O valor garante o funcionamento básico das cinco escolas municipais, mas está longe do ideal. Para fechar as contas, diz a secretária de Educação, Ellen Bertolini, a gestão precisa estabelecer prioridades: em um ano, por exemplo, reformam as escolas; no outro, repõem os livros das salas de leitura.

Na escola municipal Olivia dos Santos Feieirabend, não faltam computadores para as aulas de informática, mas as goteiras no teto obrigam a direção a protegê-los com lonas plásticas nos períodos de chuva.

As paredes, muito coloridas, são enfeitadas com quadros, desenhos e ilustrações, mas não é difícil perceber os locais onde a pintura está descascada nem vislumbrar os buracos nas calhas do corredor.
A maior parte dos estudantes, conta a diretora Marisa Morais, vem de famílias pobres, moradoras de áreas sem saneamento ou água encanada na periferia de São José dos Campos --a unidade, na zona rural, fica na divisa dos municípios.

A vizinhança é dominada pelo tráfico, e não raro a escola precisa lidar com casos de abuso e violência.
“Essas crianças não têm área de lazer, a única quadra do bairro é a daqui. Então a escola tem que ser bonita, porque é o único referencial de beleza que elas vão ter”, diz a diretora, que arrecada doações de tinta, faz vaquinhas para garantir o material dos alunos mais pobres, organiza bingos para levar as crianças ao cinema e envia o pão que sobra da merenda às famílias mais necessitadas.

Vulneráveis, os alunos da Feieirabend têm mais dificuldade de aprendizado do que as da escola Prof. Elizabeth Coelho Micheletto, maior, mais bem equipada e localizada no centro de Monteiro Lobato.
Quando a unidade tem alunos suficientes para fazer a prova Brasil, admite a secretária de Educação, o Ideb da rede municipal fica aquém do esperado ---em 2015, sem a Feieirabend, a cidade alcançou 6,8 pontos, 1,5 ponto acima da média brasileira.

Para driblar o problema, a secretaria prioriza a aplicação dos recursos na formação dos professores. Segundo Ellen, foi aumentado o quadro de coordenadoras pedagógicas, e regularmente há cursos de aperfeiçoamento e atualização dos docentes.

Mas a própria desigualdade regional complica a vida: professores trocam a rede pelas cidades vizinhas mais ricas, como São José dos Campos.

"A gente forma os professores e acabamos por perder profissionais competentes porque não conseguimos pagar salários melhores", diz.

Entenda o que pode mudar no Fundeb

Repasse da União

COMO É: União complementa o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) com no mínimo 10% do valor do fundo arrecadado por estados e municípios

O QUE PROPÕE O CONGRESSO: Projeto na Câmara defende mínimo de 30%, enquanto proposta do Senado quer no mínimo 50%

OUTRAS PROPOSTAS: Especialistas concordam que é preciso aumentar o percentual de contribuição da União, mas não há unanimidade sobre o valor a ser definido

Distribuição entre estados e municípios

COMO É: O MEC define um valor mínimo anual por aluno a partir da arrecadação de impostos e do número de matrículas. Os estados que não arrecadam o suficiente para atingir esse valor recebem a complementação da União. Os recursos são divididos por meio de fundos estaduais e depois repassados para os municípios levando em consideração o número de estudantes em cada etapa e modalidade (creche custa mais que ensino fundamental, por exemplo)

O QUE PROPÕE O CONGRESSO: Para projeto da Câmara, ponderação dos recursos deve levar em conta modalidade de ensino, nível socioeconômico dos alunos e o CAQ (Custo Aluno-Qualidade, um indicador que especifica quanto é preciso investir por aluno para garantir condições mínimas de qualidade). Projeto do Senado cita apenas o CAQ e a etapa de ensino

OUTRAS PROPOSTAS: O Movimento Todos Pela Educação e a Confederação Nacional de Municípios, por exemplo, propõem um modelo de repasse que combine fatores de ponderação das matrículas por etapa, indicadores socioeconômicos e indicadores fiscais dos municípios

Custo Aluno Qualidade

COMO É: O Custo Aluno-Qualidade é um indicador, ainda não implementado, que especifica quanto é preciso investir por aluno para garantir uma educação de qualidade para todos. O PNE (Plano Nacional de Educação) prevê que seja usado como parâmetro para o financiamento da educação básica, sobretudo para aumentar o protagonismo da União na transferência de recursos. Ele não é mencionado no atual Fundeb e ainda não há uma regulamentação que defina que critérios devem ser levados em conta no cálculo do índice

O QUE PROPÕE O CONGRESSO: As duas proposta afirmam que o CAQ deve ser levado em conta na hora dos repasses, mas não especificam de que forma

OUTRAS PROPOSTAS: Movimentos em defesa da educação pública afirmam que o CAQ é importante para reduzir as desigualdades entre as redes do país, mas há disputas sobre que fatores devem ser usados para calcular o índice. Há também o entendimento de que o Fundeb representa apenas parte do financiamento da educação básica e a inclusão do CAQ no dispositivo seria inadequada

Pagamento de professores

COMO É HOJE: No mínimo 60% do valor recebido por estados e municípios deve ser usado para pagar professores

O QUE PROPÕE O CONGRESSO: Projeto na Câmara quer que no mínimo 70% do valor recebido seja usado para pagar profissionais da educação (não só professores), enquanto o do Senado pede 60% para profissionais do magistério. Nos dois, quem não tiver condições de arcar com o piso nacional receberá auxílio da União

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