Jornalistas mortos na República Centro-Africana investigavam grupo militar russo
Três jornalistas russos que foram assassinados na República Centro-Africana investigavam a presença da empresa privada militar russa Wagner no país, onde a Rússia posicionou estruturas militares.
O repórter de guerra Orkhan Dzhemal, o documentarista Alexander Rastorguyev e o cinegrafista Kirill Radchenko foram mortos na terça-feira (31) durante uma blitz rodoviária perto de Sibut, centro do país, por homens armados, segundo fontes locais e russas.
Eles colaboravam com o Centro de Gestão de Investigações, um projeto lançado pelo magnata e opositor russo no exílio Mikhail Khodorkovsky.
Os três chegaram em 27 de julho ao país para fazer imagens sobre as atividades da empresa militar privada Wagner, informou o organismo em seu Facebook.
Moscou abriu uma investigação para determinar as circunstâncias exatas das mortes.
Na rede independente Dojd, a editora-chefe adjunta do Centro de Gestão de Investigações, Anastasia Gorshkova, indicou que os jornalistas tentaram entrar em uma base no domingo, na qual iriam encontrar funcionários da Wagner.
Eles tiveram o acesso negado, porque não possuíam autorização do Ministério da Defesa local, apesar de contarem com a assessoria do "consultor da ONU" em seus deslocamentos.
Segundo a porta-voz da diplomacia russa Maria Zakharova, os jornalistas não informaram as autoridades russas de sua presença na República Centro-Africana.
"A viagem foi declarada como turística", acrescentou, falando à cadeia Rossia 24.
Desde o início de 2018, a Rússia posiciona militares na República Centro-Africana, entregando armas ao Exército nacional e se encarregando da segurança do presidente Faustin-Archange Touadera.
Moscou conseguiu uma autorização de exceção da ONU para vender armas ao regime e também para treinar dois batalhões militarmente —cerca de 1.300 homens— do Exército.
Apesar de oficialmente o programa russo visar ao treinamento do Exército, Moscou também pretende reforçar sua influência em um país rico em recursos como diamantes, ouro, urânio e madeira.
O grupo Wagner
Discreto, poderoso e às vezes incontrolável, o grupo Wagner defende os interesses do Kremlin em conflitos como o da Síria, apesar das negativas russas.
O grupo foi criado por um ex-oficial do GRU, os serviços da Inteligência militar russo, Dmitri Utkin.
As empresas militares privadas, que não possuem existência legal, estão proibidas na Rússia. A Wagner estava envolvida desde 2014 nos combates do leste da Ucrânia junto aos separatistas pró-russos, segundo a imprensa e os serviços ucranianos.
Na Síria, atuaram em paralelo ao Exército russo, que desde 2015 atua em apoio ao regime de Bashar al-Assad e teve um papel destacado na reconquista da cidade antiga de Palmira.
Em fevereiro, Moscou reconheceu a morte de cinco cidadãos russos e dezenas de feridos que se encontravam na Síria "por iniciativa própria" em um ataque dos EUA em Deir Ezzor. A imprensa identificou todos como membros da Wagner.
O grupo seria financiado por Evgueni Prigojin, um empresário ligado a Vladimir Putin e que fez fortuna na construção, antes de fechar contratos com o Exército e com o governo russos.
Atualmente, a Justiça americana o acusa de estar por trás de uma "máquina de trolls", supostamente originária das mensagens virais espalhadas na Internet para favorecer Donald Trump durante a campanha presidencial de 2016.
Mas, segundo especialistas, por causa das tensões com o Exército russo no território sírio, a Wagner teria perdido a confiança do Ministério da Defesa e, por isso, o grupo estaria procurando assinar outros contratos, especialmente com Damasco.
Segundo Pavel Baev, do Instituto Francês de Relações Internacionais (Ifri), este Exército das sombras permite "negar a amplitude da presença russa na Síria e minimizar as perdas, mas o problema com os ativos da Wagner é que nunca são totalmente controláveis".
Para o especialista militar Pavel Felguenhauer, no entanto, "a Rússia não tem qualquer interesse geopolítico na República Centro-Africana, ao contrário da Síria".
"A Wagner provavelmente quer ganhar dinheiro lá", completou.
"Mas, sem a aprovação do Kremlin, a Wagner não teria ido para a República Centro-Africana", alerta.