Longe da estética comercial, games são premiados em festivais de arte e de cinema

Em meio à exuberância de jogos de tiro, estratégia e esportes do Steam, plataforma online que reúne 90 milhões de jogadores, há espaço para os que flertam com a arte contemporânea.

Um deles é “Kids”, criação do suíço Michael Frei, que deve ser lançada no início do ano que vem, nas versões para desktop e telefone celular. Usando bonequinhos simples, desenhados com o dedo indicador num touchpad de computador, o game fala de comportamento humano. 

Na mesma linha de Frei, que estudou artes e animação, há um movimento de artistas visuais e cineastas em direção ao mundo dos games. 

O produtor japonês Nobuaki Doi arrisca uma explicação. “Não é possível se sustentar financeiramente fazendo curtas de animação, pois não há mercado. Com games independentes, existe uma pequena possibilidade de conseguir ganhar algum dinheiro, já que existe um mercado.”

Doi está produzindo “My Exercise”, que será lançado no Steam no início de 2019. 

O design do jogo é assinado por Atsushi Wada, que venceu o Urso de Prata no Festival de Berlim há seis anos com seu curta de animação “The Great Rabbit”, com visual fofinho e traços delicados.

Mas o que difere o jogo de Wada dos games comerciais não é só a fofura. “My Exercise” não tem um objetivo definido, nem fases nem chefões —o que pode causar estranhamento para um gamer convencional, mas não é uma questão para quem olha para uma obra de arte. 

Patrick Smith, que vive na fronteira da animação com os games desde a era do Adobe Flash, um software já quase em desuso, é autor de “Windosill”, também no Steam.

Ele diz que nota um movimento de animadores se envolvendo cada vez mais com videogames. Porém, discorda que seja apenas por uma questão financeira.

“Tem tanto a ver com as possibilidades conceituais quanto com a grana. Também não é muito fácil fazer dinheiro com games”, diz o artista.

David OReilly é outro que transita entre os dois mundos. Venceu em 2009 o Urso de Ouro na Berlinale, com o curta animado “Please Say Something”, disponível no YouTube. 

OReilly tem muitos trabalhos no estilo “glitch art”, que explora a estética do erro de aparelhos analógicos ou digitais. Ele chegou a fazer um episódio em 3D da série “Hora da Aventura”, em 2013. 

No ano passado, lançou o jogo “Everything”, para PC, Mac, Linux e PlayStation. Com gráficos pouco elaborados e estética new age, o game propõe um passeio etéreo pelo universo —indo dos micro-organismos até a estratosfera. 

O trailer do game, que é acompanhado por falas do filósofo Alan Watts, ganhou o prêmio de melhor animação pelo júri popular no Vienna Shorts, festival austríaco de curtas-metragens. A vitória de OReilly tornou o filme elegível a uma indicação ao Oscar. Embora não tenha chegado à lista final da Academia, foi um feito inédito.

No Brasil, esses trânsitos entre videogames e animação tradicional são incipientes, se é que de fato existem.

Segundo Marcos Magalhães, um dos diretores do Anima Mundi, “a indústria de games em alguns países é maior e movimenta mais recursos que a de animação”. 

“Pode acontecer a migração. Mas no Brasil ainda não acontece de maneira significativa”, ele afirma.

A verdade é que não existe uma fronteira firme entre animação e games e não é de hoje que o mundo das artes flerta com os videogames. 

Há sete anos, o Festival de Tribeca, em Nova York, incluiu o jogo “L.A. Noire”, da Rockstar Games, na seleção oficial de filmes. Seis anos depois, o festival passou a contar com um evento-irmão, dedicado aos jogos, o Tribeca Games.

Jogos eletrônicos também estão no MoMA, o Museu de Arte Moderna de Nova York. A coleção permanente da instituição tem 23 games, entre os quais estão clássicos como “Space Invaders” (1978), “Pac-Man” (1980) e “Tetris” (1984). Há, ainda, “The Sims” (2000) e “Minecraft” (2011). 

Lá estão também aqueles games que poderiam ser enquadrados como conceituais ou artsy. É o caso de “flOw” (2006), de Jenova Chen, ou do popular “Katamari Damacy” (2004), de Keita Takahashi. No MoMA, os games são exibidos como peças de design e não como obras de arte.

Já o museu de arte e design Victoria & Albert, em Londres, tem desde 2015 cargos de curadoria especializada em videogames. A mais recente exposição do V&A é inteiramente dedicada aos jogos eletrônicos. “Videogames: Design/Play/Disrupt” fica em cartaz até fevereiro do ano que vem.

“Não estamos expondo os games como obras de arte”, diz Kristian Volsing, pesquisador e curador de games do museu. Assim como o MoMA, a instituição londrina expõe os games na ala de design.

Não que haja alguém tentando construir um muro separando as fronteiras entre games e o mundo das artes, mas, a depender de pessoas como Michael Frei e jogos como “Kids”, essa separação será cada vez mais difusa.

Ele conta com a ajuda do designer de games Mario von Rickenbach para desenvolver um projeto multimídia que, além do game, conta com um curta-metragem —ainda inédito— e com uma instalação, que foi aberta em fevereiro deste ano no Museu de Arte Digital de Zurique.

A exposição consiste em uma porção de bonecos de pano, de mais ou menos um metro de altura, completamente brancos e sem feições, como no jogo. Os visitantes são encorajados a mexer nos bonecos e a mudá-los de lugar. Há também projeções interativas, que se adaptam à presença dos visitantes.

“O que acontece se eu despir todos os traços humanos de alguém?”, pergunta Frei, quando questionado sobre a concepção do projeto.

Esse é o segundo game feito pela dupla. O primeiro, “Plug & Play”, foi lançado em 2015. O projeto surgiu como um curta-metragem, que estreou há cinco anos e chegou a ser exibido em uma série de festivais de cinema e animação.

Os autores, então, adaptaram a obra ao formato de game e acabaram atingindo um tipo de público bem diferente.

Frei diz que, a princípio, estava relutante em colocá-lo no Steam, já que, segundo ele, não se tratava de um 
“game para gamers”.

Acabou mudando de ideia. O projeto, que antes ficaria restrito a festivais de cinema e a eventos de arte, caiu no colo do grande público. Alguns estranharam, outros gostaram. Houve, por fim, quem estranhasse e gostasse (não necessariamente nesta ordem).

“Só porque [o jogo também] é uma obra de arte não quer dizer que eu deva excluí-lo de uma plataforma comercial [como o Steam]. Não vejo uma contradição”, diz Frei.

Entre os que abraçaram a ideia estão os gamers do YouTube, incluindo o dono do maior canal do mundo, o sueco PewDiePie, que atingiu 11 milhões de visualizações com seu vídeo jogando “Plug”.

Os comentários no Steam vão de “a coisa mais bizarra que eu já joguei” até “minha vida nunca mais foi a mesma”.

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