Mães e pais medianos, uni-vos!

Reza a lenda que ao nos tornarmos pais (leia-se pai/mãe) ultrapassaríamos um umbral, a partir do qual nos tornaríamos uma pessoa melhor. Pais seriam "Pokémons" evoluídos, cujos sentimentos de ódio, inveja, ciúmes, arrependimento, enfim, o caldo mais grosso de nossa humanidade, estariam sob controle e nunca recairiam sobre os filhos. 

Se fosse verdade, a humanidade seria gloriosa.

Ter filhos não melhora ninguém, embora se aprenda muitas coisas ao tê-los. Não existe garantia de que isso que aprendemos nos faça pessoas mais resolvidas, ou ainda que não aprenderíamos as mesmas coisas sem ter passado por essa experiência.

Uma coisa certamente muda: quem se tornou pai/mãe será julgado com uma régua implacável. Esse umbral diz menos respeito ao fato de nos tornarmos pessoas superiores, do que ao de sermos julgados sem dó por continuarmos sendo os medíocres de sempre. Não ficamos melhores, óbvio, mas, a partir daí, não seremos mais perdoados por isso.

Cuidar e se preocupar com alguém absolutamente dependente, privar-se de sono, trocar dezenas de fraldas por dia e dar de mamar a cada duas horas não faz ninguém mais maduro, pelo contrário. Se você era estressado, provavelmente ficará mais e, se era sossegado, pode descobrir seu lado "monge zen ensandecido" até então inexplorado. 

Passados alguns anos, dirá que a paternidade/maternidade mudou sua vida, é fato, mas nunca terá a contraprova para saber como teria sido se não tivesse tido filhos. Inconformados com o fato de que nossos pais não se tornaram seres superiores depois de nosso glorioso nascimento, passamos grande parte da vida a acusá-los disso.

Espécie de Procon da parentalidade, o divã é lugar onde se encontram os dois lados dessa mesma lógica. Acusamos os pais de serem reles humanos e nos acusamos, depois de ter tido filhos, de não estarmos à altura do cargo. É aqui que toda a virulência contra os pais se volta contra nós mesmos, a ponto de algumas pessoas não se permitirem ter filhos para evitar cair no lugar do apedrejado no qual mantém os pais.

De repente constatamos, cheios de incredulidade, que nossos pais podem ser invejosos, ciumentos, competitivos, egoístas conosco. Interpretarmos esses comportamentos como algo que justificaria um impeachment deles. 

Do outro lado, quando nos deparamos com nosso desejo de não ter tido filhos, com nossa inveja deles, com um sonho erótico ou mortífero com eles, acabamos por proferir para nós a mesma sentença: nós é que não servimos para o cargo! 

Conselho: pegue a senha e entre na fila, a humanidade te precede. 

Idealizar os pais, admirá-los, querer ser como eles é inevitável. Vivemos todos, sem exceção, infinitas versões do tema. Encará-los como pessoas comuns, sem se contorcer em fúria e decepção é de outra ordem. Ter filhos é uma oportunidade, talvez a mais escancarada, de descobrir que, por mais que os pais nos amem, não serão outras pessoas por causa disso. Tampouco nós seremos para nossos filhos. Mas isso envolve trabalho, seja dentro ou fora de uma análise. Não vem por gravidade. 

É apaziguador imaginar que todo perrengue que enfrentamentos durante décadas cuidando dos filhos será compensado por algum tipo de iluminação espiritual, que economizaria séculos de purgatório ou décadas de divã. Mas seria mais justo, com eles e conosco, que pudéssemos aproveitar o convívio entre gerações, cheio de surpresas, desafios e alegrias sem esperar uma medalha no final. Nem a cruz.

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