Militantes tentam fugir da última cidade do Estado Islâmico na Síria
Os homens que emergem da última faixa estreita de terra controlada pela milícia terrorista Estado Islâmico recebem a ordem de sentar-se atrás de uma de duas linhas cor de laranja pintadas com spray sobre o chão rochoso do deserto: sírios atrás de uma linha, iraquianos atrás da outra.
Com véus cobrindo seus rostos e segurando crianças pequenas nos braços, as mulheres vão para um lugar diferente, também separadas por nacionalidade.
Várias das pessoas que escaparam estão tão gravemente feridas que precisam ser carregadas sobre colchões para entregar-se à coalizão apoiada pelos Estados Unidos.
As Forças Especiais dos EUA chegam no meio da manhã em um comboio de veículos blindados. Os homens suspeitos de serem combatentes do EI são chamados para aproximar-se em fila indiana, com os braços abertos lateralmente, e são revistados pelos soldados e um cão farejador. Em seguida são tiradas suas impressões digitais, eles são fotografados e interrogados.
Nos últimos 15 dias milhares de pessoas já saíram do povoado de Baghuz, o último pedacinho de terra sob controle do Estado Islâmico no Iraque e na Síria, região onde a milícia chegou a controlar uma área do tamanho da Grã-Bretanha.
Esse estado praticamente desapareceu. No último mês, o EI passou de controlar três povoados para dois e depois apenas um.
Os militantes agora estão encurralados em uma área mais ou menos do tamanho do Central Park, em Nova York.
Para o oeste, estão cercados por forças do governo sírio. Ao sul fica a fronteira do Iraque, onde tropas iraquianas montam guarda. Pelo norte e o leste os militantes estão sendo combatidos por uma milícia curda e árabe apoiada pelos EUA e conhecida como Forças Democráticas Sírias.
Com o laço em torno do EI se apertando, mesmo aqueles que aderiram ao califado em seus primórdios estão tentando se salvar.
A maioria das pessoas que chegou a este lugar no deserto nos últimos dias é formada pelas famílias dos militantes —suas várias esposas e muitos filhos.
Segundo autoridades curdas, apenas alguns poucos habitantes locais originais da área estão nesse meio.
Muitos dos que estão escapando são estrangeiros, especialmente iraquianos que viveram sob o Estado Islâmico antes de fugir para este canto do sudeste da Síria quando as cidades iraquianas foram libertadas.
Mas entre as pessoas que chegaram nos últimos dias também há alemães, franceses, britânicos, suecos e russos, numa prova do apelo amplo do EI, que atraiu cerca de 40 mil recrutas de cem países para seu estado nascente.
Mustafa Bali, um porta-voz das Forças Democráticas Sírias, disse que representantes do Estado Islâmico pediram salvo-conduto, mas que o pedido foi recusado. “Vamos combater todos, até o último”, ele disse.
Autoridades americanas, porém, disseram que ainda existe a possibilidade de salvo-conduto dos militantes para a província síria de Idlib, e um comandante da milícia revelou que o EI está pedindo um caminhão de alimentos. Eles exigiram anonimato para falar de detalhes sensíveis.
Uma das mulheres que se entregou estava se rendendo pela segunda vez. Amal Mohammed al-Soussi, 22, chegou ao deserto segurando seus dois filhos pequenos pelas mãos.
Ela disse que seu marido, um atirador do Estado Islâmico, foi morto na batalha de Raqqa em 2017. Depois disso, ela se rendeu à milícia e passou oito meses presa em um campo de detenção.
Um dia, ela e dezenas de outras esposas de combatentes do EI foram colocadas em caminhões e levadas ao deserto, onde foram devolvidas ao Estado Islâmico. “Eles nos mandaram descer e disseram ‘agora vocês estão em seu estado’”, disse Al-Soussi. “Entendemos que houvera uma troca de prisioneiros.”
Al-Soussi disse que foi uma cidadã engajada do califado, mas que a fome a obrigou a se entregar. Ela e suas filhas sobreviveram por semanas comendo ração animal.
Outra mulher contou que sobreviveu comendo uma erva daninha que cresce nas fendas entre casas e nas rotatórias de trânsito. Ela fervia a planta e se obrigava a ingeri-la.
O perigo crescente ao qual foram sujeitas as famílias dos combatentes do Estado Islâmico é evidente pelo grande número de pessoas que apareceram todos os dias com ferimentos.
Uma mulher com a perna dilacerada por fragmentos de morteiro foi tirada de um caminhão e ajudada a saltar sobre um pé até o lugar onde outras mulheres aguardavam para ser interrogadas.
Um homem mais velho desabou sobre um colchão, com um ferimento nas costas. Uma mulher de 20 e poucos anos conseguiu chegar até o local de processamento, mas morreu pouco depois. Sua família não pôde fazer mais do que cobri-la com um cobertor.
Naquela tarde, forças de segurança cavaram uma cova para a jovem ao lado da área rochosa onde os recém-chegados estavam sendo processados.
Só havia uma pessoa da família da falecida presente, um primo dela. Ele ajudou a baixar o corpo dela dentro da cova, descobrindo o rosto dela apenas por tempo suficiente para posicioná-lo olhando na direção de Meca.
Os homens que cavaram a cova ergueram suas palmas para o céu e fizeram uma oração de cinco segundos.
Ao lado da cova recém-escavada havia três outras, uma de apenas um metro de comprimento, lugares de descanso final de outras pessoas que não sobreviveram ao califado.