Moro será decisivo na escolha do procurador que vai suceder Dodge
O próximo ministro da Justiça, Sergio Moro, terá papel decisivo na escolha do novo procurador-geral da República, segundo avaliam integrantes do MPF (Ministério Público Federal) ouvidos pela Folha.
A indicação é considerada chave para reforçar a pauta anticorrupção que será conduzida pelo juiz da Lava Jato.
Recém-eleito, Jair Bolsonaro (PSL) vai decidir em setembro de 2019 a sucessão da PGR (Procuradoria-Geral da República). O mandato de Raquel Dodge vai terminar depois de dois anos e ela pode ou não ser reconduzida a um segundo período. O mais provável é que haja troca de nomes.
O presidente eleito já disse durante entrevista durante a campanha que, não necessariamente, escolherá o novo procurador-geral na lista tríplice que é definida em eleição pelos associados da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República).
Para integrantes do MPF, a ascensão de Moro ao Ministério da Justiça abre também espaço para que, em vez de um dos 74 subprocuradores-gerais da República, o ungido seja desta vez um dos membros da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, equipe que trabalhou com o juiz.
No entanto eles destacam que isso pode ser mal visto por ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e do STJ (Superior Tribunal de Justiça).
O cargo de procurador-geral é tradicionalmente ocupado por subprocuradores porque eles estão no topo da carreira e têm experiência de atuação nos tribunais superiores, além de visão panorâmica do Ministério Público.
Presidente da ANPR, José Robalinho Cavalcanti diz que vai procurar Moro, possivelmente antes do início do novo governo, para tratar da sucessão na PGR e, além disso, entregar sugestões para a área de segurança pública.
A entidade tenta evitar que o novo governo ignore a lista tríplice. Desde 2003, com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, os presidentes sempre nomearam para chefiar a PGR um dos três nomes escolhidos por meio desse processo.
Robalinho diz que a lista é hoje um dos pilares do que chama de independência do MPF, à qual credita o sucesso da Lava Jato. “Se ele [Moro] não for de lista tríplice, é absolutamente impensável”, comenta. “A própria força-tarefa da Lava Jato é favorável à lista porque sabe a importância que ela tem dentro do MP.”
Oito subprocuradores e procuradores da República ouvidos reservadamente pela Folha consideram positiva a interferência de Moro na escolha do novo chefe da PGR. A avaliação geral é que a pauta de combate à corrupção, tema prioritário da instituição, vai ser fortalecida.
Eles destacam que tradicionalmente os presidentes ouvem os ministros da Justiça e da CGU (Controladoria-Geral da União) para escolher o chefe do Ministério Público. Mas apostam que Moro, como homem-forte do governo nas relações com os setores da investigação, será mais influente na decisão.
Os procuradores sustentam que o juiz tem boa interlocução com a categoria e pode ajudar a fazer o Congresso aprovar medidas que facilitem o trabalho da categoria —ou evitar que os parlamentares proponham leis que atrapalhem as diligências.
Os integrantes do Ministério Público Federal consideram enorme a chance de Bolsonaro substituir a atual procuradora por alguém alinhado às suas pautas e que tenha o combate à corrupção como principal bandeira.
Destacam que Dodge é autora de uma das duas denúncias contra Bolsonaro que chegaram ao Supremo —ele foi acusado de racismo, mas a primeira turma do STF rejeitou a denúncia.
A outra acusação, por incitação ao estupro, foi apresentada durante a gestão de seu antecessor, Rodrigo Janot. Bolsonaro virou réu no Supremo.
Apesar de considerarem que ainda é cedo para analisar cenários, procuradores dizem que, orientado por Moro, provavelmente Bolsonaro vai escolher um profissional de fora dos grupos dos dois ex-procuradores gerais e de perfil conservador.
Na entrevista em que não se comprometeu com a lista tríplice, concedida em 16 de outubro ao Jornal Nacional, o então candidato disse que optará por alguém “livre do viés ideológico da esquerda”.
O procurador-geral tem o poder de pedir ao Supremo a abertura de investigações e ações criminais contra o presidente da República e seus ministros. Também cabe a ele questionar a constitucionalidade de determinadas leis.
A substituição de Dodge é vista como estratégica para que o novo governo emplaque suas pautas, principalmente as relacionadas a direitos humanos e de minorias.
O presidente eleito já defendeu, por exemplo, que policiais sejam isentados de investigação e de eventuais punições por mortes ocorridas em situações de confronto.
Além disso, disse que não pretende demarcar mais nem um palmo de terra indígena, embora se trate de uma imposição constitucional. Integrantes da PGR são contra as propostas.
Os procuradores ouvidos pela reportagem afirmam que, independentemente de quem Bolsonaro escolher para o cargo, o MPF vai continuar contestando o governo.
Eles dizem que, caso o novo procurador-geral se alie ao Planalto, sofrerá pressão da categoria. Além disso, os procuradores que atuam na Justiça de primeira e segunda instâncias têm autonomia para investigar atos do governo.