Musical 'pocket' em SP relembra compositor italiano 'espelho' de Chico Buarque
"Partir para bem longe /À procura de outro mundo /Dizer adeus ao meu quintal / Partir sonhando".
Os versos são do compositor italiano Luigi Tenco (1938-1967) e embalam “Ciao Amore, Ciao”, canção sobre a imigração que o consagrou postumamente. Mas servem também de síntese da trajetória do ator brasileiro Antonio Interlandi, que o encarna no musical “pocket” (só voz e violão) homônimo, em cartaz em São Paulo neste fim de semana.
Há cerca de 30 anos na Europa, ele já esteve radicado em Mônaco e Hamburgo, onde integrava corpos de baile estáveis; agora, vive em Paris, cidade em que burilou o canto e incorporou a seu repertório a atuação dramática. Em maior ou menor medida, as três facetas estão em cena no espetáculo, que estreou na capital francesa em 2011.
O pianista Mathieu El Fassi não só responde pelo acompanhamento musical ao vivo como se arrisca aqui e ali na atuação. Também foi em parceria que eles criaram os arranjos, tentando suprimir “um pouco da doçura excessiva dos originais, cheios de violinos e orquestras”, nas palavras de Interlandi. Ele conta ter descoberto a obra do italiano em 2005, ao atuar em um telefilme sobre a célebre intérprete franco-egípcia Dalida (1933-87), que foi namorada de Tenco no fim da vida dele.
Mas, alguns anos depois, na hora de selecionar e redigir as vinhetas biográficas que se intercalam com uma seleta de composições do italiano, relegou deliberadamente a cantora a personagem coadjuvante –não queria que sua mítica ofuscasse o parceiro.
“Ele não ficou famoso [unicamente] por causa da Dalida, em função dela. O que tiveram foi só uma relação de um ou dois anos. O espetáculo é sobre Tenco, não sobre a paixão dos dois”, explica Interlandi, que enfatiza o aspecto trágico da vida do compositor, com episódios como o da morte do pai (esmagado por uma vaca) ou o da própria morte (autoinfligida), este pinçado para abrir e fechar a peça.
Era 1967 quando o músico, que começava a cair nas graças de jovens e simpatizantes de esquerda por causa de letras contestadores da ordem social e antimilitaristas, foi instado por sua gravadora a participar do popular Festival de San Remo. Ali, seria apresentado a outras plateias, cairia nos braços do povo.
Não foi bem assim. “Ciao, Amore, Ciao” se viu eliminada do concurso na primeira fase. Tenco preferiu naquela noite pôr fim à própria vida, em vez de digerir fracasso e vergonha.
Até ali, em menos de uma década, havia criado belos textos melódicos sobre amores desvanecidos (e mal resolvidos) e mudanças sociais em marcha (como o “boom” de separações e divórcios), além de dar alfinetadas na opulência da Igreja (anátema no QG do catolicismo, tanto que isso lhe rendeu uma censura de meses em rádio e TV) e de condenar os conflitos armados que eclodiram naquele período.
No arco temático coberto pelo cancioneiro de Tenco e em certo retrato do feminino, Interlandi vê proximidade com o universo em que transita Chico Buarque. Por isso, há dois títulos pinçados da discografia do carioca para a cena. Fiquemos só no primeiro “spoiler”: “Amor Barato” (dos versos “Eu queria ser um tipo de compositor / Capaz de cantar nosso amor modesto”).