Na contramão do Brasil, tendência nos EUA é de aumento da maioridade penal
Enquanto o debate sobre a redução da maioridade penal ganha força no Brasil, nos Estados Unidos, ocorre o oposto: cinco estados aprovaram leis nos últimos dois anos para que um jovem seja julgado como adulto apenas aos 18 anos.
São eles Carolina do Norte, Carolina do Sul, Louisiana, Nova York e Missouri.
Nova York começou a transição em outubro deste ano, quando entrou em vigor o aumento da maioridade penal de 16 para 17 anos.
A Carolina do Norte é o único estado que ainda julga jovens de 16 anos na Justiça comum. Isso mudará em dezembro de 2019, quando os infratores precisarão ter dois anos a mais para serem processados como adultos.
Em Louisiana e na Carolina do Sul, as regras serão atualizadas a partir de 2019. Já em Missouri, em 2021.
Em quatro estados —Geórgia, Michigan, Texas e Wisconsin— adolescentes de 17 anos são julgados como adultos. Nos outros 41 estados, a idade penal é de 18 anos.
"Não há dúvidas de que os outros estados seguirão a tendência, é uma questão de tempo", afirma Sarah Bryer, diretora executiva da National Juvenile Justice Network, organização que luta por reformas no sistema judicial juvenil dos EUA. "O aumento da maioridade penal gera comunidades mais seguras, e é o que todos querem."
Isso porque as prisões para adultos não oferecem uma formação educacional adequada para os detentos, que é "a chave para a melhoria da segurança pública", diz Bryer.
Há lugares que buscam ir além: em uma decisão histórica, Vermont aprovou em maio o aumento da maioridade penal para 20 anos, regra que passará a valer em 2022.
Em Connecticut, discute-se o aumento da idade para 21 anos. A proposta foi apresentada pelo governador do estado, Dannel Malloy, em março deste ano, mas ainda não foi aprovada pelo Legislativo local. Este mesmo estado inaugurou em 2017 uma prisão só para jovens de 18 a 25 anos.
No Brasil, a maioridade penal hoje é de 18 anos, e tramita no Senado um projeto de lei que reduziria essa idade para 16 anos.
A redução foi uma das principais bandeiras da campanha do presidente eleito, Jair Bolsonaro. "Se não for possível para 16, que seja para 17 [anos]. Por mim seria para 14, mas aí dificilmente seria aprovada. Pode ter certeza que reduzindo a maioridade penal, a violência no Brasil tende a diminuir", disse ele.
Nos Estados Unidos, o apoio ao aumento da maioridade penal está alinhado com a redução nos crimes cometidos por jovens no país.
Nas décadas de 1980 e 1990, quando a violência juvenil atingiu picos históricos, houve um grande movimento da sociedade para encarcerar os infratores, observa Susan Mangold, diretora do Juvenile Law Center, que defende os direitos de crianças e adolescentes. Quando o cenário melhorou, a opinião pública mudou.
De acordo com dados do FBI (polícia federal americana), pouco mais de 538 mil menores de 18 anos foram presos em 2017.
Em comparação com 2007, quando foram detidos mais de 1,2 milhão, o número caiu mais do que a metade. Os principais crimes cometidos por infratores dessa faixa etária são lesão corporal simples, furto, abuso de drogas, conduta desordeira e vandalismo.
Além disso, pesquisas ligadas à neurociência, que inclusive serviram de base para decisões da Suprema Corte que limitaram medidas punitivas contra crianças, têm indicado que o cérebro ainda está em desenvolvimento aos 18 anos. "Tratá-los como adultos é ir contra as evidências", diz Daniele Gerard, advogada da organização Children's Rights.
Apesar das mudanças, menores ainda podem ser responsabilizados como adultos caso cometam um crime considerado muito grave, como assassinato. Cada estado tem suas próprias normas que especificam em quais casos um menor deve responder na Justiça comum.
De acordo com os dados mais recentes do gabinete de Justiça Juvenil e Prevenção de Delinquência do Departamento de Justiça dos EUA, 27 estados americanos estipulam idades mínimas, que vão de 10 a 15 anos, para que menores sejam encaminhados a tribunais criminais comuns. Os outros não têm normas sobre a questão.
Em Wisconsin, por exemplo, uma criança de 10 anos pode ser processada como maior de idade. No início deste mês, uma menina de 10 anos foi acusada de homicídio doloso (quando há intenção de matar) pela morte de um bebê de seis meses no estado.
A menina alegou durante audiência no condado de Chippewa que o bebê caiu do seu colo e bateu com a cabeça em um apoio para os pés. Quando ele começou a chorar, a menina teria entrado em pânico e pisou em sua cabeça. Os pais alegaram que ela tem um histórico de problemas emocionais. Foi encaminhada para um centro de detenção.
Boa parte dos estados americanos também estipula um limite de idade para quando uma criança ou um adolescente pode responder pelos seus atos em um tribunal da Justiça juvenil. Não são tratados como adultos, mas podem ser submetidos a medidas socioeducativas.
O caso mais extremo é o da Carolina do Norte, onde crianças de seis anos podem ser levadas às cortes, segundo dados do Juvenile Justice GPS (Geography, Policy Practice & Statistics), que reúne informações sobre o assunto.
Há estados em que a idade mínima é de 7 anos (Dakota do Norte, Nova York, Connecticut, Massachusetts e Maryland), de 8 anos (Arizona) e 10 anos (onze deles, como Texas, Colorado e Pensilvânia). Os outros não têm um limite.
Jovens de 18 anos a 25 anos também podem ser julgados em cortes juvenis em alguns lugares, em situações específicas.
Os menores infratores são encaminhados para centros de detenção, de reabilitação ou para prisões de adultos (existem outras alternativas, como abrigos), dependendo do crime cometido.
Um levantamento publicado neste ano pela PPI (Prison Policy Initiative), centro de pesquisas voltado para justiça criminal, mostrou que há em torno de 53 mil crianças e adolescentes em unidades corretivas pelo país —os Estados Unidos têm mais de 300 milhões de habitantes. A maior parte (cerca de 18 mil) está em centros de detenção para jovens.
A PPI estima que existam mais de 4.600 crianças e adolescentes em prisões para adultos no país. Desde 1999, o número vem diminuindo (apesar de algumas altas em anos específicos), como mostra outro levantamento realizado pelo centro de pesquisas, com base em dados do Departamento de Justiça.
Para evitar que jovens sejam encarcerados com adultos, situação que os deixaria mais vulneráveis a abusos, agressões e suicídio, autoridades federais criaram duas leis: a JJDPA (Lei de Justiça Juvenil e Prevenção da Delinquência), de 1974, e a Prea (Lei de Eliminação de Estupro na Prisão), de 2003. Isso não impede que alguns estados continuam a colocar maiores e menores de idade na mesma cela.
Apesar dos esforços, os EUA são o único país das Nações Unidas que não ratificou a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, de 1989.
O documento orienta, por exemplo, que a prisão de uma criança só seja realizada "como último recurso". O Brasil está entre os 196 signatários do tratado.