Parceria Renault-Nissan-Mitsubishi é questionada após prisão de executivo
Os governos francês e japonês reafirmaram, nesta terça-feira (20), em um comunicado conjunto, seu "importante respaldo" à aliança entre os fabricantes de automóveis Renault e Nissan, um dia após a prisão de seu principal executivo, Carlos Ghosn, em Tóquio.
O ministro das Finanças francês, Bruno Le Maire, e o ministro da Economia japonês, Hiroshige Seko, conversaram por telefone, segundo o comunicado divulgado.
A parceria entre as montadoras, que ainda inclui a Mitsubishi, foi colocada em xeque após a prisão de Carlos Ghosn, executivo que comandou a aliança entre as montadoras, nesta segunda-feira (19).
Ele é investigado por supostamente enganar o fisco japonês ao declaram uma renda inferior à sua real remuneração.
Após a prisão do executivo, o presidente-executivo da Nissan, Hiroto Saikawa, afirmou que vai propôr ao conselho de administração da empresa a remoção de Ghosn, em reunião que está marcada para esta quinta-feira (22).
A companhia confirmou que Ghosn ocultou sua renda do fisco "durante anos". "Além disso, várias outras práticas ilícitas foram descobertas, como o uso de bens da empresa com fins pessoais", afirmou a empresa, que diz colaborar com as autoridades.
Nesta terça-feira (20), o presidente-executivo da Mitsubishi, Osamu Masuko, chegou a dizer que a aliança entre as empresas será difícil de administrar sem Ghosn.
Antes de ser detido, Ghosn trabalhava para que a aliança Renault-Nissan, que fabrica dez milhões de carros anuais, fosse "irreversível", comentou em nota Kentaro Harada, analista da SMBC Nikko Securities.
"Não podemos excluir a possibilidade de que a aliança se veja debilitada (...) Sobretudo, a questão principal é ver se isso alterará o equilíbrio do poder" entre as partes francesa e japonesa, acrescentou o analista.
O governo francês, que detém 15% das ações da Renault, pediu que a companhia seja assumida por um comando interino.
"Carlos Ghosn não está mais em condições de comandar o grupo", afirmou Le Maire, em entrevista a uma rede de televisão francesa, nesta terça.
O ministro francês, porém, afirmou não estar pedindo a demissão de Ghosn, uma vez que "não há provas" de qualquer irregularidade fiscal por parte do executivo na França.
Segundo a mídia local japonesa, Ghosn teria declarado uma renda 38 milhões de euros menor do que a real. A prática teria começado em 2011 e teria durado mais de cinco anos.
O salário do executivo é objeto de controvérsia há alguns anos. Ele chegou a ganhar mais de 15 milhões de euros pelo acúmulo de funções na Nissan e na Renault, mas o valor diminuiu em 2017, quando Ghosn deixou de ser o executivo-chefe da montadora japonesa.
Em junho passado, ao ser reconduzido ao posto de número 1 da empresa francesa, ele aceitou um corte de 30% em seu salário –uma demanda de acionistas– e a nomeação de um número 2, Thierry Bolloré.
As ações da Renault em Paris despencaram nas Bolsas da Europa na tarde desta segunda, após a notícia da prisão
O CORTADOR DE GASTOS
Nascido no Brasil, descendente de libaneses e cidadão francês, Ghosn, 64, iniciou sua carreira na Michelin na França, onde trabalhou por 16 anos, e se transferiu para a Renault.
Ele chegou a Tóquio em 1999 para recolocar a Nissan nos trilhos, no momento em que a empresa acabava de se unir à francesa Renault. Ele foi nomeado presidente-executivo dois anos depois.
Com cerca de US$ 20 bilhões em dívidas, a Nissan precisou de um tratamento de choque na época. Houve demissões, encerramento de parcerias e fechamento de linhas de produção pouco produtivas.
Apelidado de "cost killer" ("cortador de gastos"), ele transformou um grupo à beira da falência em uma empresa lucrativa com volume anual de negócios da ordem de quase 100 bilhões de euros. Isso lhe valeu grande admiração no Japão.
Após o plano de recuperação, a companhia registrou lucros recordes.
Em 2005, o executivo passou a presidir também a Renault, sendo a primeira pessoa a liderar duas montadoras simultaneamente.
Em 2008, Ghosn passou a acumular também a liderança do conselho de administração da Nissan.
Em abril de 2017, passou o bastão para seu herdeiro, Hiroto Saikawa, ainda permanecendo à frente do conselho de administração. Passou a se concentrar mais na aliança da Renault com a Mitsubishi Motors, que ele levou para o topo da indústria automobilística mundial.
No mesmo ano, a empresa havia investido na Mitsubishi, após a companhia ser afetada por escândalo sobre falsificação de dados sobre emissão de poluentes.
A parceria Renault-Nissan-Mitsubishi é, hoje, uma construção de equilíbrios complexos, constituída de distintas empresas ligadas por participações cruzadas não majoritárias.
A Renault detém 43% da Nissan, que possui 15% do grupo do diamante, enquanto a Nissan possui 34% de seu compatriota Mitsubishi Motors. Rumores de fusão vazaram recentemente.
As acusações contra Carlos Ghosn, que construiu essa aliança sozinho, acumulando funções como nenhum outro executivo desse nível até então, são um duro golpe no trio franco-japonês que reivindica o título de primeiro conglomerado automobilístico mundial.
No ano passado, foram 10,6 milhões de carros vendidos, superando os concorrentes Toyota, ou Volkswagen.