Nenhuma lei científica leva o nome do descobridor, nem a de Murphy
Algum tempo atrás escrevi que não é de Pitágoras o teorema que leva o seu nome. Isso causou desconforto, e leitores me acusaram de “revisionismo histórico” e “destruição de reputação”. Exageros à parte, acho ótimo que a matemática desperte paixões normalmente reservadas a arbitragens de futebol ou novelas.
No entanto, eu só contei uma “novidade” conhecida dos historiadores há mais de um século a partir de achados arqueológicos na Babilônia e que não diminui em nada o papel dos pitagóricos no desenvolvimento do pensamento ocidental.
Além disso, são muitos os avanços científicos atribuídos erroneamente. Citarei alguns casos em que o erro é fortuito e não resultado de má-fé ou viés.
Já dei aqui outro exemplo: o teorema de Stokes do cálculo vetorial —descoberto pelo físico Lord Kelvin, apresentado ao colega George Stokes. Anos depois, Stokes incluiu a questão numa prova na Universidade de Cambridge e acabou levando a fama, dando o nome ao teorema. Não há registro de que Kelvin, alçado à grande nobreza do reino, tenha se sentido prejudicado.
Outro exemplo, menos científico. Após um teste fracassado com equipamento de sua autoria, o engenheiro aeroespacial Edward Murphy colocou a culpa no assistente. “Se tem um jeito de fazer dar errado, esse cara consegue.” A frase antipática foi convertida no disparate “tudo que pode dar errado dará”, a famosa “lei de Murphy” que o próprio detestava. Mas não precisamos ter pena: será que a frase original o teria feito tão famoso?
Existe até uma “teoria” sobre o assunto. Em 1997, o matemático russo Vladimir Arnold, grande gozador, proclamou: “Princípio de Arnold: se um conceito tem o nome de alguém, essa pessoa não é a descobridora”. Claro que, segundo Arnold, esse princípio fora descoberto por outra pessoa, no caso o físico Michael Berry. Portanto: “Princípio de Berry: o princípio de Arnold pode ser aplicado a si mesmo”.
Mas a “teoria” é mais antiga. Em 1980, o estatístico Stephen Stigler já publicara a “Lei Stigler da eponímia: nenhuma descoberta científica leva o nome do seu descobridor”. Previsivelmente, Stigler também atribuiu essa regra a outra pessoa, o sociólogo Robert Merton, concluindo que o fato de ter o nome errado comprova que se trata de lei científica.
Stigler menciona vários exemplos, desde o cometa Halley, que os astrônomos chineses já estudavam em 240 a.C., até o nosso teorema de Pitágoras, que os matemáticos babilônios gravaram na argila 1.800 anos antes do nascimento do filósofo grego.
Poderíamos acrescentar mais um: a regra de l’Hôpital do cálculo. Mas essa dá pano para manga, fica para outro dia.