Nissan planeja usar saída de Ghosn para tirar poder da Renault

A Nissan quer usar a destituição do presidente de seu conselho, Carlos Ghosn, como oportunidade para reequilibrar sua aliança com a Renault em seu favor, de acordo com quatro pessoas ligadas ao conselho da montadora de automóveis japonesa.

A demissão de Ghosn, que está preso em Tóquio sob acusações de falsificação de documentos financeiros, vem sendo vista como oportunidade para "recomeçar do zero".

O conselho da Nissan deve votar na quinta-feira (22) a destituição de Ghosn como seu presidente, dado que ele e outro diretor representante, Greg Kelly, estão presos e portanto impedidos de cumprir suas funções no conselho de nove integrantes, analistas antecipam que a destituição será aprovada. Três dos conselheiros restantes são vistos como próximos de Hiroto Saikawa, o presidente-executivo da Nissan.

Ainda que a Nissan seja uma empresa de maior porte, com receita anual quase 60% superior à da Renault, o grupo francês exerce mais controle dentro da aliança, o que inclui o direito de indicar executivos para postos importantes na equipe de gestão da parceria.

"Isso colocará a Nissan em posição mais forte", disse uma pessoa informada sobre a posição da montadora japonesa.

A tentativa da Nissan de se reafirmar surge em um momento no qual o futuro da aliança, que inclui também a Mitsubishi Motors, está em questão.

Os planos para uma fusão completa entre as três montadoras foram suspensos com a detenção de Ghosn em Tóquio, na segunda-feira (19); ele está sendo investigado por denúncias de que declarou remuneração inferior à que recebe. Ghosn continua como presidente-executivo da Renault, mas a montadora francesa transferiu os deveres dele temporariamente ao vice-presidente de operações Thierry Bolloré.

"Havia aspectos negativos em ter tamanha concentração de poder nas mãos de um indivíduo, e por isso, com esse fator removido, os dois lados podem iniciar negociações (sobre a estrutura da aliança) da estaca zero", disse uma pessoa próxima à Nissan. "Mas abandonar a aliança não seria positivo, para ambos os lados".

A Nissan se recusou a comentar.

Sob o comando de Saikawa, a Nissan vem tentando reconstruir seus elos com o ministério japonês da economia, comércio e indústria, que enfraqueceram na gestão de Ghosn, um líder que costumava desafiar as práticas tradicionais japonesas.

"Nos últimos 18 meses, Saikawa definitivamente começou a reaproximar a empresa do ministério. Isso poderia posicioná-la de maneira mais forte caso tudo isso termine em uma colisão entre o Japão e a França", disse um funcionário do governo japonês.

A empresa está buscando reconquistar alguma autonomia, o que contraria um plano de médio prazo cujo objetivo era aproximar as montadoras de se tornarem uma companhia integrada.

Nos termos do plano, aliança a aceleraria suas medidas de corte de custos de cinco bilhões de euros em 2016 para mais de 10 bilhões de euros em 2022, quantia que é vista como inatingível na ausência de uma maior integração entre as companhias.

A atual estrutura da aliança favorece a Renault, que detém 43% das ações e dos direitos de voto da Nissan, ante a participação acionária de 15%, sem direito de voto, que o grupo japonês detém em sua parceira francesa.

Qualquer proposta de fusão que solidificasse a posição da Nissan como membro mais fraco da parceria teria sido combatida vigorosamente pela empresa japonesa.

O governo francês, que detém 15% das ações da Renault e direitos de voto equivalentes a duas vezes essa fatia, também havia dado a entender anteriormente que se oporia a uma fusão se isso envolvesse abrir mão de seu controle sobre a montadora.

"Quanto à aliança, a Nissan pode passar a considerar que deixou uma situação em que todos se beneficiavam [da parceria] em troca de uma situação em que alguns se beneficiam e outros se limitam a não perder", disse um analista do mercado automotivo em Tóquio. "De uma determinada perspectiva dentro da Nissan, é possível estudar os últimos anos e concluir que a Renault usou a aliança em seu favor repetidas vezes".

Na quarta-feira, Yoshihide Suga, secretário-chefe do gabinete japonês, disse que era importante que "a atual aliança entre Renault, Nissan e Mitsubishi mantenha um relacionamento estável".

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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