Nova animação de Wes Anderson traz texto sofisticado e ambicioso

Difícil pontuar o que impressiona mais em “Ilha dos Cachorros”. A nova animação em stop motion (filmada quadro a quadro, com bonecos) de Wes Anderson (indicada a maiores de 12 anos) bombardeia o público de surpresas e estímulos vindos de todos os sentidos. Literalmente.

Em sua segunda incursão pelo universo dos desenhos —a primeira foi em “O Fantástico Sr. Raposo” (2009)—, o diretor de “Grande Hotel Budapeste” (2013) e “Os Excêntricos Tenembauns” (2001) aproveita para se esparramar no estilo peculiar e inconfundível que o transformou num dos grandes nomes do cinema independente americano.  

Aparecem ali as cores que lembram pintura antiga; a obsessão pela simetria; a história estruturada como uma fábula; os olhares dirigidos à câmera; as tomadas de cima; a estética impecável, quase artesanal.

Os fiéis companheiros do cineasta (Bryan Cranston, Edward Norton, Bill Murray, Bob Balaban etc) também marcam presença, emprestando suas vozes aos protagonistas caninos criados a partir de bonecos e filmados quadro a quadro.

Mas, desta vez, há um salto significativo em termos de conteúdo. Sofisticado e ambicioso, o roteiro de Anderson, Roman Coppola, Jason Schwartzman e Kunichi Nomura constrói uma narrativa densa; apinhada de metáforas políticas e sociais que oferecem ao espectador múltiplas possibilidades de interpretação.

Debaixo de um humor perspicaz, áspero e meio sombrio, encontram-se referências aos regimes totalitários, à intolerância entre os povos, às medidas severas anti-imigração, à força dos boatos, à necessidade de julgar o outro, e por aí vai...

Japão, 20 anos no futuro. Megasaki está sob o comando de um prefeito corrupto e autoritário, que, diante de um surto (duvidoso) de gripe canina e “febre-focinho”, decide banir todos os cachorros da cidade.
Inflamada e alienada pela propaganda maciça, a maioria da população aceita as imposições do governante e abandona seus ex-melhores amigos à própria sorte, numa ilha isolada e cheia de lixo.

Durante a jornada da minoria resistente, representada pelo garoto Atari (Koyu Rankin) e pela intercambista Tracy (Greta Gerwig), a plateia é absorvida por uma atmosfera primorosa, repleta de alusões à cultura nipônica —do cinema de Akira Kurosawa, à arte de Hokusai, ecoando no som dos tambores taiko e nos diálogos em japonês.

Quando, enfim, revela o destino dos bichos e se retira da tela, “Ilha dos Cachorros” provoca uma vontade súbita de replay; de voltar a fita e assistir de novo, para não deixar escapar nenhuma fagulha criativa minuciosamente pensada por Wes Anderson.

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