O feminismo me levou a ser invencível, diz ativista paquistanesa

A jornalista e ativista paquistanesa Aisha Sarwari, 37, está fazendo uma proposta ousada para suas conterrâneas: que assumam o controle de seus direitos sexuais. A definição vai além do prazer sexual: é sobre as mulheres “não serem propriedade de nenhum homem”.

Sarwari é cofundadora do Women’s Advancement Hub (WHA; Centro para o Avanço das Mulheres), organização que trabalha pelos direitos da mulher em setores como mobilidade, assédio online e saúde, e cede sua plataforma na internet para que mulheres ao redor do Paquistão contem suas histórias.  

Segundo maior país muçulmano do mundo e dono de uma sociedade patriarcal, o Paquistão tem um sistema misto de legislação civil e islâmica. A Constituição reconhece a igualdade entre homens e mulheres, mas a lei da sharia também é válida.

O “purdah”, válido em várias regiões, estabelece os preceitos de isolamento da mulher (em casa e/ou com uso de vestimentas específicas).

Pela “vani”, uma criança é dada em casamento para resolver disputas entre clãs.

A lei de “zina” não admite a figura do estupro marital e determina que a mulher que não conseguir provar que foi estuprada seja acusada de adultério. Para ser condenado, ou o homem tem de confessar ou quatro homens “religiosos” (muçulmanos) devem ter testemunhado o “ato de penetração” e acusá-lo.

Uma tentativa de aumentar a idade legal de casamento de 16 anos para 18 anos foi barrada recentemente na Assembleia Nacional. Ativistas estimam que ocorram 1.000 assassinatos por “honra” por ano.

 

Se você tivesse de destacar o principal desafio enfrentado por mulheres hoje no Paquistão, qual seria?

O extremismo religioso. Essa visão e interpretação singulares da religião que se define por meio do controle da mulher são muito prejudiciais ao avanço das mulheres no Paquistão.  Claro que esse não é o único problema; valores culturais e tradicionais enraizados no subcontinente também são muito retrógrados e definem a estrutura hierárquica quando se trata dos papéis dos gêneros, independente dos valores religiosos.

Sua organização faz a declaração ousada de que as paquistanesas devem assumir o controle de seus direitos sexuais. Como você entende esses direitos e como essa mensagem tem sido recebida pela sociedade? 

Como definimos, os direitos sexuais têm menos a ver com o acesso da mulher ao prazer sexual, por exemplo. O que queremos é que as mulheres não sejam mortas por recusar um pretendente, que se casem por escolha própria, que possam querer não ter filhos ou não ter mais filhos, que não sejam envergonhadas por quererem fazer um aborto, que possam se recusar a fazer sexo com seus maridos, que possam protestar contra a violência sexual ou que não sejam caracterizadas como sendo más mães porque procuraram emprego.

Em suma, não serem propriedade de nenhum homem.

Essas áreas estão ganhando espaço, mas em círculos restritos, infelizmente. O que queremos é que isso transcenda para movimentos de base, que adotem a linguagem local e falem com mulheres de todas as classes.

Que elo você faz entre mobilidade e empoderamento no contexto paquistanês? 

Todo empoderamento da mulher vem de sua mobilidade. Falei com inúmeras mulheres, de zonas rurais e urbanas, e uma palavra no léxico delas, repetida diversas vezes, é “permissão”. Elas constantemente pedem permissão para fazer compras, trabalhar, vender um produto ou serviço, levar as crianças para a escola ou visitar a família.

A sociedade paquistanesa acredita que o lugar da mulher é dentro de casa. Independentemente da classe, a mobilidade da mulher é considerada frívola e negociável. O argumento é que o espaço público é violento e antifeminino. E é. Isso é verdade. Mas o que queremos é resolver isso ao torná-lo mais seguro e inclusivo. O que não queremos é que o patriarcado prolifere porque é mais fácil confinar as mulheres do que impedir a violência contra elas.

A WAH sugere “nuances” nas soluções para garantir um espaço público para as mulheres. Quais seriam elas?

O primeiro princípio da nuance é o pragmatismo. Muitas vezes, na nossa tentativa de ajudar as mulheres a exercer sua liberdade, excluímos soluções que elas mesmas encontram. O véu ou a burca, por exemplo. Sentimos que eles podem ser um veículo, uma transição, que as mulheres possam usá-los como um primeiro passo para sair de casa. Acreditamos no princípio de uma liberdade completa e total para que as mulheres negociem todos os caminhos para ter mais espaço —intelectual, sexual, físico e, acima de tudo, pessoal.

A história de Qandeel Balooch [modelo paquistanesa morta em 2016] foi trágica. Ela usava a internet para negociar mais liberdade, para abraçar sua sexualidade e sua persona. Talvez ela pensasse que isso poderia empoderá-la de maneira financeira e dar a ela status social. Os mesmos homens de sempre ao redor do Paquistão causaram tanto trolling, assédio e ódio, que o próprio irmão dela a assassinou em nome da honra.

Qualquer caminho que a mulher escolha, ela deve ser “permitida” a escolher. Num mundo ideal, defenderia que tanto a mulher que queira se cobrir quando a mulher que queira se expor forje seu empoderamento. No mundo real, vemos que as mulheres acham os dois caminhos opressivos. Nenhum garante segurança e respeito. Queremos que todas as mulheres encontrem segurança, controle e domínio sobre suas próprias vidas.

Como a tecnologia pode ser usada para se obter segurança para as mulheres?

É necessário uma melhora séria em três níveis para que a internet seja uma arma para o empoderamento no Paquistão:

a) Agências estatais contra o assédio online precisam ter recursos, capacitação e sensibilidade de gênero;

b) Organizações da sociedade civil como a WAH devem trabalhar para criar mais ativismo e “passar o microfone” para mulheres para que contem suas histórias online.

c) 17 milhões de mulheres têm acesso a conteúdo mobile no Paquistão. É uma oportunidade tremenda. Mulheres conseguem acessar a informações vitais para sua segurança e bem-estar para guiar seu acesso às oportunidades e criar espaços online compartilhados entre mulheres apenas. Esses espaços podem denunciar comportamentos predatórios. Também podem dar apoio e elos para mulheres que precisam de ajuda.

Você já sofreu algum tipo de assédio, ameaça ou violência devido ao seus ativismo?

Sempre e todos os dias. Cite um exemplo e já terei enfrentado: ser chamada de puta e de má mãe, ameaças de estupro, ataques por hackers, fotos da minha família sendo compartilhadas em massa. E o pior assédio: me fazer duvidar da autenticidade da minha própria voz. Também sou frequentemente chamada de “falsa feminista”.

Você se considera feminista? 

Dizem que, antes de matar um demônio, você precisa dizer o seu nome. Para mim o feminismo é a palavra que permitiu que eu matasse todo o ódio direcionado ao feminino. Isso inclui o ódio pelos homens que o feminismo pode ter. Inclui partes minhas que odeiam a mulher e que internalizei e associei com ser uma vítima. O feminismo me tornou invencível, mas tive de caminhar sobre o fogo do pré-requisito de primeiro abraçar minha vitimização. De ser dona da minha impotência. E então usá-la como armadura.

Qual sua expectativa em relação ao provável novo premiê Imran Khan?

Ele tem um histórico anti-feminino que é muito improvável que mude.

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