O século asiático está para começar
Economistas, cientistas políticos e analistas de mercados emergentes vêm falando há décadas sobre a chegada da Era Asiática, que supostamente representará o ponto de inflexão para que o continente se torne o novo centro do planeta.
A Ásia já abriga mais de metade da população da Terra. Das 30 maiores cidades do mundo, 21 ficam na Ásia, de acordo com dados da ONU. No ano que vem, a Ásia também responderá por metade da classe média do planeta, definida como pessoas que vivam em domicílios com renda per capita diária de entre US$ 10 e US$ 100, em termos de paridade de poder aquisitivo, pelo valor do dólar em 2005.
De 2007 para cá, os asiáticos vêm comprando mais carros e caminhões do que os povos de qualquer outra região. Em 2030, eles estarão comprando um número de veículos tão grande quanto o de todas as demais regiões do planeta somadas, de acordo com a LMC Automotive.
Os líderes da região estão começando a falar mais abertamente sobre a transição. "Agora o continente se vê em posição central na atividade econômica mundial", disse Narendra Modi, primeiro-ministro da Índia, na reunião anual do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura, em 2018. "Tornou-se o principal propulsor de crescimento do planeta. Na verdade, já estamos vivendo o que muita gente define como o Século Asiático", ele declarou.
Assim, quando a Era Asiática começará de fato?
O Financial Times computou os dados e constatou que as economias asiáticas, de acordo com definições da Unctad, a agência de comércio e desenvolvimento das Nações Unidas, serão maiores que as demais economias do planeta combinadas em 2020, pela primeira vez desde o século 19. O Século Asiático, de acordo com os números, começa no ano que vem.
Para colocar a situação em perspectiva, a Ásia respondia por pouco mais de um terço da produção mundial em 2000.
Para realizar seus cálculos, o Financial Times examinou dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) baseados em Produto Interno Bruto (PIB), levando em conta as diferenças de preços entre os diferentes países. Esse método, que avalia as economias com base em paridade de poder aquisitivo, é amplamente considerado como o indicador mais relevante, porque leva em conta o que as pessoas podem de fato comprar nos países em desenvolvimento, onde os preços muitas vezes são mais baixos.
Mesmo considerando taxas de câmbio pelo valor de mercado, a Ásia responde hoje por 38% da produção mundial, ante 26% no começo dos anos 2000.
O que está por trás do avanço asiático que está eclipsando o restante do planeta? A ascensão da China e Índia explica boa parte da tendência. A economia chinesa já é maior que a dos Estados Unidos, em termos de paridade de poder aquisitivo, respondendo por 19% da produção mundial este ano, ante 7% em 2000. A Índia é agora a terceira maior economia do planeta, com um PIB duas vezes superior ao do Japão ou da Alemanha, dois países que tinham economias maiores que a da Índia, em termos de paridade de poder aquisitivo, no ano 2000.
O ingresso iminente do planeta na Era Asiática está chegando não só por conta das duas maiores economias da região mas também graças ao crescimento de países pequenos e médios.
A Indonésia está a caminho de se tornar a sétima maior economia do planeta em 2020, pelo critério de paridade de poder aquisitivo; em 2023 terá ultrapassado a Rússia e se tornará a sexta maior economia do planeta.
O Vietnã, uma das economias de crescimento mais rápido na Ásia, ultrapassou 17 países no ranking econômico por paridade de poder aquisitivo, de 2000 para cá, entre os quais Bélgica e Suíça. As Filipinas agora têm uma economia maior que a da Holanda, enquanto Bangladesh ultrapassou outras 13 economias, de 2000 para cá.
A recente disparada da Ásia, que começou com o crescimento econômico do Japão no pós-guerra, representa um retorno à norma. A Ásia dominou a economia mundial pela maior parte da história humana, até o século 19.
"Pelo final do século 17, a Europa encarava com admiração e inveja a região do planeta que concentrava... mais de dois terços do PIB, e três quartos da população", disse Andrea Colli, professor de história econômica na Universidade Bocconi, na Itália.
No século 18, a fatia da Índia na economia mundial era tão grande quanto a da Europa, de acordo com o político e escritor indiano Shashi Tharoor.
Então, durante três séculos, a posição da Ásia no planeta encolheu e as economias ocidentais decolaram, propelidas pelo que os acadêmicos descrevem como Revolução Científica, seguida pelo Iluminismo e pela Revolução Industrial.
"O que estamos contemplando é a grande reversão", disse Joel Mokyr, professor da Universidade Northwestern. "Entre 1500 e 1750, a Europa mudou dramaticamente, e o restante do mundo não".
Por volta de 1950, a Ásia respondia por menos de 20% da produção mundial, a despeito de abrigar mais de metade da população do planeta.
"No século 19, a Ásia foi transformada de centro mundial de manufatura em uma coleção de economias subdesenvolvidas clássicas que exportavam commodities agrícolas", disse Bob Allen, professor de história econômica na Universidade de Nova York em Abu Dhabi e antes professor na Universidade de Oxford.
Mas nas últimas décadas essa tendência se reverteu. A ascensão dramática do Japão e da Coreia do Sul, os primeiros países da Ásia a recuperar o atraso com relação ao Ocidente, foi "apequenada" pela decolagem da China, depois que o país adotou reformas de mercado, sob a liderança de Deng Xiaoping, no final da década de 1970.
Em apenas duas gerações, "uma combinação vitoriosa de integração com a economia mundial via comércio e investimento estrangeiro direto, índices elevados de poupança, altos investimentos em capital humano e físico, e políticas macroeconômicas sólidas" contribuiu para o salto adiante da economia asiática, de acordo com as mais recente perspectiva regional do FMI, compilada por uma equipe liderada por Koshy Mathai.
"O período de dois séculos do Ocidente como grande potência mundial está chegando ao fim", argumenta Kishore Mahbubani em seu mais recente livro, "Has the West Lost It?" [o Ocidente perdeu sua vantagem?]
Nas últimas cinco décadas, centenas de milhões de pessoas saíram da pobreza na Ásia, e muitas economias da região avançaram para a posição de economias de renda média ou economias avançadas, de acordo com as definições do Banco Mundial.
A Ásia continua mais pobre que resto do mundo, mas a distância está se reduzindo. A renda per capita da China, em termos de paridade de poder aquisitivo, continua a equivaler a apenas um terço da americana, e a cerca de 44% da renda per capita da União Europeia. A Índia tem renda per capita de apenas 20% da europeia, em termos de paridade de poder aquisitivo, de acordo com dados do FMI.
Mas a disparidade na renda per capita da China e Índia com relação aos Estados Unidos e Europa se reduziu dramaticamente dos anos 2000 para cá. Ao longo do período, a China se tornou quase cinco vezes mais rica, em termos de renda per capita, do que a África subsaariana. As duas regiões tinham posição equivalente na metade dos anos 90.
Qualquer que seja o indicador adotado, a Ásia está a ponto de reocupar a posição central do cenário econômico mundial. E quando o fizer "o mundo terá completado um círculo", disse Allen.