OEA relata práticas de terror pelo governo da Nicarágua
A OEA (Organização dos Estados Americanos) deve aprovar nesta quarta-feira (11) documento fortemente crítico à repressão desatada na Nicarágua pelo governo do presidente Daniel Ortega.
O relatório a ser debatido pelo Conselho Permanente, instância máxima da instituição, foi elaborado pelo secretário-executivo da CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos), o brasileiro Paulo Abrão, que encerrou nesta terça-feira (10) uma visita de inspeção ao país.
O texto, conforme Abrão antecipou à Folha, vai denunciar “práticas de terror, com detenções em massa e assassinatos”.
Condenará, ainda, “a escalada da violência repressiva com apoio explícito de grupos armados parapoliciais, a aceleração da criminalização da oposição e dos manifestantes e a redução das vias de diálogo por meio da estigmatização da igreja como legítima mediadora social”.
Abrão considera “alarmante” a situação na Nicarágua, o que não é nenhum exagero.
A CIDH compilou 212 mortos até agora desde que se iniciaram os protestos contra o governo de Ortega e de sua mulher, a vice-presidente Rosário Murillo, no dia 19 de abril —ou cinco mortes a cada dois dias. Outras instâncias falam em 310 mortos.
Para tornar ainda mais alarmante o panorama, durante a visita de Paulo Abrão, a repressão atingiu representantes da Igreja Católica e até o núncio apostólico (o embaixador do Vaticano, portanto), Waldemar Stanislaw Sommertag.
Ele acompanhara o cardeal Leopoldo Brener, o bispo auxiliar de Manágua, Silvio Báez, os sacerdotes Miguel Mántica e Edwin Román e Álvaro Leiva, da Associação Nicaraguense Pró Direitos Humanos, em visita à cidade de Diriamba, sitiada pelos paramilitares.
Todos foram atacados.
Báez relatou em tuíte: “Assediado por uma turba enfurecida que queria ingressar na basílica San Sebastián em Diriamba, fui ferido, golpeado no estômago, me arrebataram as insígnias episcopais e [fui] agredido verbalmente”.
O bispo auxiliar de Manágua acrescentou que estava bem, apesar da agressão, e que foram liberados os manifestantes sitiados na basílica.
Atacar dignitários eclesiásticos é um passo que não chegaram a dar mesmo as ditaduras que marcaram o panorama latino-americano nos anos 70 e 80.
Sequestraram, prenderam e até mataram sacerdotes tidos como de esquerda, mas bispos, cardeais e os núncios apostólicos não foram tocados, como regra geral.
O ataque aos representantes da igreja pode ser explicado pelo fato de que tanto Báez como Brener têm papel destacado na crise política em curso. A igreja nicaraguense assumiu a mediação no chamado Diálogo Nacional entre o governo e a Aliança Cívica pela Justiça e a Democracia, um conglomerado que reúne representantes da sociedade civil, estudantes e grupos empresariais.
O diálogo empacou porque Ortega recusa-se a atender a principal reivindicação da Aliança Cívica, que é a antecipação das eleições, que estão previstas apenas para 2021.
Os representantes da igreja apoiam a antecipação. Entende-se, por isso, que o que Báez chama de “turbas enfurecidas” ataquem-no e a seus colegas.
A OEA poderá analisar, na reunião de seu Conselho Permanente, se defende a antecipação das eleições.
Mesmo que o faça, não é obrigatório que a Nicarágua acate a determinação, mas dará força à oposição no Diálogo Nacional.
O diálogo é considerado por todas as partes como a única solução não violenta para a crise.
O bispo Báez diz que, se este processo se romper, a história julgará [os governantes] “por intransigentes, mentirosos e soberbos”. São qualificações semelhantes aos que os manifestantes empregam a respeito do casal governante.