Pioneiros ficam de fora da nova onda de juízes na política
“Chega dos mesmos!”, gritava o juiz aposentado Jamil Nakad na televisão, em meio a imagens de explosões atômicas. Candidato ao governo do Paraná em 1998, prometia que “a bomba da limpeza” chegaria ao estado.
Nakad não sabia, mas antecipava temas caros à campanha eleitoral 20 anos mais tarde: dizia que não fez carreira na política, defendia critérios técnicos em nomeações públicas e prometia um governo sem privilégios e corrupção.
Ele é um dos que consideram ter aberto caminho para a onda de integrantes da magistratura que, ao se aposentar ou pedir exoneração, passaram a atuar na política.
Este ano, além de Sergio Moro ter aceitado assumir um ministério no governo Bolsonaro, Wilson Witzel (PSC) venceu no Rio, Flávio Dino (PC do B) foi reeleito no Maranhão e Selma Arruda (PSL) se elegeu senadora em Mato Grosso.
O ex-presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) Joaquim Barbosa chegou a flertar com a candidatura à Presidência pelo PSB, mas desistiu. Márlon Reis (Rede) e Odilon de Oliveira (PDT) concorreram, respectivamente, aos governos do Tocantins e de Mato Grosso do Sul, e perderam.
As tentativas anteriores, mesmo entre pessoas que se destacaram em suas atuações na Justiça, na maioria das vezes não é bem-sucedida. Nakad, que não era um nome de expressão, foi candidato três vezes —duas ao governo paranaense e uma à Prefeitura de Curitiba— pelos nanicos Prona e PRTB. Com campanhas enxutas, não se elegeu.
Também decidiu nunca mais concorrer. “Confirmei a minha suspeita. Que a política é podre do princípio ao fim”, afirma Nakad, hoje aos 70. Segundo ele, um dos desencantos foi ter recebido proposta financeira para dar apoio a outra candidatura.
"Hoje tem um novo ciclo [de políticos]. Quase 50% da Câmara renovada. Temos uma chance de que essas pessoas venham para o bem, porque se vierem copiando o modelo antigo, vai ficar pior do que era", diz.
Mas mesmo a ministra aposentada do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Eliana Calmon, conhecida nacionalmente pela afirmação de que existiam “bandidos de toga”, ficou em terceiro lugar na disputa ao Senado pela Bahia em 2014, com 8% dos votos válidos. Foi adversária de dois caciques da política local: Otto Alencar (PSD), vencedor, e Geddel Vieira Lima (MDB), hoje preso.
À Folha no mês passado, ela disse que se considera uma das pioneiras do movimento de juízes que se tornaram conhecidos em sua atuação na Justiça e, em seguida, entraram para a política. Para ela, essa tendência se consolidou em 2018.
Ainda assim, não se lançou candidata ao Executivo ou Legislativo, mas anunciou apoio a Bolsonaro no segundo turno.
Há quatro anos, a desembargadora aposentada Luislinda Valois (PSDB) também não conseguiu se eleger deputada federal pela Bahia. Em 2017, se tornou ministra dos Direitos Humanos do governo Temer.
No entanto, foi menos lembrada pela sua atuação na pasta e mais pelas gafes —como divulgar que tinha um título da ONU que não existe e pedir para acumular rendimentos e ganhar R$ 61 mil alegando “trabalho escravo”.
Quem se saiu melhor foi a juíza aposentada Denise Frossard no Rio. Conhecida por ter condenado chefões do jogo do bicho em 1993, candidatou-se ao Senado em 1998 e perdeu, mas quatro anos depois foi a deputada federal mais bem votada no estado.
Na Câmara, ganhou relevância por sua participação na CPI dos Correios, que investigou o mensalão, e se lançou o governo em 2006 pelo PPS. Perdeu no segundo turno para Sérgio Cabral (MDB) —outro que, hoje, também está preso.
Sem disputar eleições desde então, ela compara os motivos de ter se lançado na política aos de Calmon e Moro. Afirma que, além de ser um meio de usar os conhecimentos obtidos na magistratura para contribuir com os outros poderes, é uma experiência pessoal nova.
“Numa carreira vitalícia como a da magistratura, às vezes você chega num ponto em que já chegou ao topo, mesmo sem ter alcançado o último estágio da carreira”, diz Frossard. “Comigo aconteceu mais ou menos isso. Cumpri a minha missão, a partir dali seria uma repetição.”
Frossard não acha que exista um movimento de juízes entrando para a política, mas decisões individuais. Atualmente, é ativa em redes sociais e se rendeu ao montanhismo. No segundo turno desse ano, estava fora do Brasil —mais especificamente, no sul da República Tcheca.
Porém, declarou apoio a Alckmin no primeiro turno e fez críticas ao PT no segundo.
“A política não é uma profissão. Tem que dar sua contribuição até onde você acha que pode ou que é necessário”, diz, ao ser questionada porque não quis se candidatar novamente, apesar de ter sido convidada pelo partido.
Essa contribuição, afirma, foi dada ao ajudar a garantir que as informações da CPI dos Correios pudessem ser usadas no julgamento do mensalão pelo STF.
Em Mato Grosso, um ex-juiz federal também se arriscou na campanha eleitoral de 2016, mas perdeu e acabou não concorrendo esse ano.
Embora tenha atuado em ações penais, Julier Sebastião (PDT) gosta de ser lembrado pelos processos civis que julgou —ao contrário de sua conterrânea, a ex-juíza estadual Selma Arruda, que se elegeu senadora pelo PSL.
Para ele, foi o protagonismo do Judiciário em temas relacionados à agenda política após a Constituição de 1988, como o casamento homoafetivo, que contribuiu para que magistrados aparecessem ao público e decidissem se candidatar.
Julier teve repercussão nacional em 2004, ao exigir que turistas norte-americanos fossem fotografados e tivessem impressões digitais recolhidas na alfândega brasileira. Deixou a magistratura em 2014 e concorreu à Prefeitura de Cuiabá em 2016, mas perdeu.
Também se envolveu em escândalo judicial. Chegou a virar réu na Operação Ararath, por supostamente ter beneficiado empresas em decisões, mas o processo foi anulado. Ele sempre negou as acusações.
Esse ano, com a composição do seu partido com o DEM, que elegeu Mauro Mendes ao governo, decidiu não disputar as eleições. Não dispensa, no entanto, voltar a disputar a prefeitura em 2020.
Colaborou João Pedro Pitombo, de Salvador