Procuradora defende prerrogativas do Ministério Público de Contas

Cl%C3%A1udia-Fernanda-de-Oliveira-Pereira.jpgProcuradora-geral do Ministério Público de Contas do Distrito Federal, Cláudia Fernanda de Oliveira Pereira, participa de audiência pública no Senado. (TV Senado/Reprodução)

Sob o título “Ministério Público de Contas brasileiro: evolução institucional, relevância e impossibilidade de retrocesso”, o artigo a seguir é de autoria de Cláudia Fernanda de Oliveira Pereira, procuradora-geral do Ministério Público de Contas do Distrito Federal.

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O Ministério Público de Contas (MPC) brasileiro é secular. Nasceu com os Tribunais de Contas (TCs) [1] e com eles não se confunde. Em 1988, com a Constituição Federal (CF) em vigor, ganhou assento no artigo 130, no capítulo das Funções Essenciais à Justiça (e, não, no capítulo dos TCs).

Referido diploma mandou aplicar aos membros do MP junto aos Tribunais de Contas as disposições “desta seção” (Seção I, Do Ministério Público), pertinentes a DIREITOS, vedações e forma de investidura.

O renomado constitucionalista José Afonso da Silva [2] bem discorre a respeito:

“Se fala em Ministério Público junto aos Tribunais de Contas. “Junto” é um signo linguístico que indica proximidade, mas fora (…). Juridicamente, expressões como funcionar junto de, oficiar junto de significam exercer funções próprias perante ou em face de outro órgão. É assim quando a Lei Complementar no 75/93, no seu art. 46, declara incumbir ao Procurador-Geral da República exercer as funções do Ministério Público junto ao Supremo ou o Procurador-Geral do Trabalho, exercer a funções junto ao Plenário do Tribunal Superior do Trabalho (art. 90), ou os Procuradores de Justiça oficiarem junto ao Tribunal de Justiça”. [3]

Com clareza, referido doutrinador adverte que, ao falar em membros do Ministério Público junto aos Tribunais de Contas, a norma se inseriu no contexto histórico, reconhecendo uma instituição que já vinha desde o século passado.

Nesse contexto, “Quando o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas era previsto apenas nas leis de organização desse Tribunal [TCU e TCs] ainda seria admissível que ele ficasse dependente a estrutura administrativa deste. Mas, com sua institucionalização pela Constituição, no contexto normativo da organização dos Ministérios Públicos [4] em todas as suas manifestações, não se pode entender a situação jurídica do mesmo modo. A inserção do art. 130 na seção do Ministério Público em geral significa que tem de ser entendido sistemática e teleologicamente. Sistematicamente porque o art. 130 há de estar também impregnado na mesma intencionalidade das demais normas daquele conjunto normativo. Teleologicamente porque instituições idênticas têm que estar orientadas aos mesmos fins, segundo suas peculiaridades”. [5]

Ao longo dos anos, então, jurisprudências formaram-se em nossos Tribunais pátrios a respeito, como a proferida no MS 27339, em que o saudoso ministro, Menezes de Direito, afirmou: “Está assente na jurisprudência deste STF que o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas possui fisionomia institucional própria”.

Além disso, em reforço, reconheceu-se ao MPC brasileiro “a plena independência de atuação perante os poderes do Estado, a começar pela Corte junto à qual oficiam” (ADI 160) e “a mais ampla autonomia de seus integrantes” (Adi 328). Isso porque, na dicção, também, do Egrégio STJ, trata-se de órgão extremamente especializado no cumprimento de seu mister constitucional” (STJ, RHC 35556).

Referidas jurisprudências forjaram a instituição pelo menos nessas três últimas décadas de Constituição cidadã. Foram realizados rígidos concursos públicos em todo o país já que, para o   STF, “somente o Ministério Público especial tem legitimidade para atuar junto aos tribunais de contas” (STF, ADI 3.192, rel. min. Eros Grau).

Encontram-se em exercício, hoje, no MPC brasileiro, aproximadamente, 170 procuradores, aptos a exercerem as funções de fiscais da lei, nas matérias sujeitas ao controle externo.

Mas a atuação, muitas vezes mal compreendida, do que faz essa instituição, tem levado a tentativas de mitigação, ainda que se observe, no mínimo com constrangimento, que os defensores de tais teses não conseguem justificativas, nem se baseando em interpretação, até mesmo meramente literal, e nem quando se socorrem do enquadramento tópico da Carreira na mesma CF, ou perante a alentada jurisprudência, em franca evolução.

Em tais situações, felizmente, nossos tribunais têm reagido, deixando claro que independência não combina com subordinação, e se o MP de Contas ostenta o nome MP, em sua designação, deve ser tratado como tal. Essa não é uma questão individual/pessoal de seus membros, mas um direito, em última análise, dos cidadãos, da sociedade e, também, de agentes públicos, que anseiam por um MP de Contas com envergadura plena, que lhe coloque em posição de bem exercer suas funções, o que, certamente, não ocorreria, se não ostentasse prerrogativas, direitos e responsabilidades.

É fácil antever, nesse contexto, a importância de um órgão com estatura constitucional de fiscal da lei no ambiente dos Tribunais de Contas, ainda bastante concentrado, cuja estrutura não dispõe de outros controles, inclusive externo.

De fato, não fosse então essa a razão de ser, a Carta Magna não teria aludido a um Ministério Público junto aos TCs – sequer teria a ele se referido – e muito menos o concebido no capítulo do Ministério Público, mas preveria atividades outras como de consultoria ou assessoria, demonstrando, assim, claramente, a distinção dessas atribuições.

Mais, ainda: como a Constituição, que quer os fins, não pode deixar de dar os meios, não se pode negar aos membros do MPC brasileiro a possibilidade de fazerem valer as suas prerrogativas funcionais, por meio do direito de ação.

Já dizia o saudoso mestre de todos nós, Hely Lopes Meirelles, que entes públicos, ainda que despersonalizados, podem possuir prerrogativas ou direitos próprios a defender, daí porque a jurisprudência é uniforme no reconhecimento de sua legitimidade para o ajuizamento de mandado de segurança. [6]

No mesmo sentido, o STF admitiu o uso do MS por entes despersonalizados, em defesa de suas atribuições, violadas por outra autoridade: MS 30717 AgR; MS 21239 e  RE 74836.

No Distrito Federal, essa possibilidade permitiu ao MP de Contas, por exemplo, defender uma decisão do STF, que não estava sendo cumprida, pois  “(…) em se tratando de investidura no cargo de Procurador-Geral, no Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Estado, ela há de observar, também, o disposto no § 3º do art. 128 c/c art. 130, competindo à própria instituição a formação de lista tríplice para sua escolha, depois, por nomeação pelo chefe do Poder Executivo, para mandato de dois anos, permitida uma recondução.” (STF, ADI 1.791-MC, rel. min. Sydney Sanches). Tratava-se de indicação à revelia do que entendia a maioria dos membros da Carreira (TJDFT, MSG20060020030187 – AGRMSG).

Em Alagoas, procuradores do MP de Contas conseguiram, após intervenção do Poder Judiciário, o reconhecimento de que a prerrogativa de se manifestar, oralmente em sessão, decorre do dever de atuar como custos legis (TJ-AL, MS Mandado de Segurança 0500311-49.2013.8.02.0000).

E, assim, na esteira dessas decisões, também o MPC de Goiás procurou o socorro do Poder Judiciário. Há cinco anos, o procurador-Geral de Contas de Goiás (PGC GO) ofertou representação perante o TC do seu Estado e a viu ser julgada, sem que o processo tivesse sido incluído sequer em pauta prévia, isto é, com infringência aos princípios do contraditório e da publicidade. Em razão desses fatos, interpôs Mandado de Segurança, a fim de que outro julgamento fosse proferido, sem as nulidades do anterior. Na sequência, o Superior Tribunal de Justiça concordou com a legitimidade processual do impetrante.

Porém, em Repercussão Geral, semana passada, decidiu o STF que “o Ministério Público de Contas não tem legitimidade para impetrar mandado de segurança em face de acórdão do Tribunal de Contas perante o qual atua”. (RE1178617).

Referida decisão, segundo divulgado, não teria estabelecido, contudo, o “distinguishing” da questão, o que se acredita será feito, por uma questão de Justiça, separando as hipóteses de questionamento, quanto ao mérito das decisões postas pelos Tribunais de Contas, no ambiente judicial, daquelas em que se está diante da defesa das prerrogativas dos membros do MPC e de suas instituições.

Ademais, trata-se de decisão que precisa ser lida dentro do contexto da jurisprudência da referida Corte, nesse texto revisitada, inclusive em face do sagrado direito de ação, que não pode ser negado ao MPC e seus membros, pena de ruptura do alicerce que lhes confere independência, para postular a defesa de direitos, que foram garantidos pela CF.

Há 30 anos do advento da nossa Carta Constitucional, membros do MPC acumulam muitos êxitos, apesar da difícil missão que lhes foi confiada. Essa atuação, contudo, está diretamente relacionada com a existência de um MP independente, capaz, inclusive, de se defender contra ameaças, que visam tolher sua atuação.

Nesse cenário, emerge o STF, como guardião do artigo 130 da CF, sem redução de seu texto, pois “funciona como ‘clausula de garantia’ para a atuação independente do Parquet especial junto aos Tribunais de Contas” (ADI 328). E, assim, sem retrocessos, mas com avanço, impedir, no caso de Goiás e em todos outros do tipo, qualquer tentativa de mitigar a atuação do MPC, pois, assim agindo, tudo o que fará a Corte Suprema é defender uma melhor atuação do controle externo e da prestação desses serviços em prol da sociedade, como foi o desejo do legislador constitucional.

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(1) A exemplo do MP de Contas da União, criado em 1892, por meio do Decreto 1166, que instituiu o Tribunal de Contas da União (TCU). No Distrito Federal, teve sua origem na Lei 3751/60. (2) “O Ministério Público junto aos Tribunais de Contas”, in “Controle Externo: temas polêmicos na visão do Ministério Público de Contas”. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2008. (3) SILVA, José Afonso da. Op. Cit., p. 30. (4) Vale lembrar, também, que, na vigência da EC de 1969, anterior à CF de 1988, outro era o MP, que não exercia apenas a função de fiscal, além de estar incluído no capítulo do Poder Executivo. (5) Op. Cit., p. 28. (6) MEIRELLES, Hely Lopes; WALD, Arnoldo; MENDES, Gilmar F. “Mandado de Segurança e Ações Constitucionais”. 32.ed. São Paulo: Malheiros, 2009. pp. 27-28.

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