Rio de Janeiro e a guerra irregular na era da informação
As últimas décadas têm revelado uma forma de violência que se caracteriza por ser não estatal, endêmica e hiperdifusa. O fenômeno é planetário. Em tempos de revolução digital, grupos rebeldes, organizações terroristas, movimentos insurgentes e quadrilhas armadas mostram motivações diversas, não necessariamente políticas.
Organizações criminosas e gangues territoriais desestabilizam a ordem interna e extrapolam as fronteiras nacionais. Na América Latina, a criminalidade de alta intensidade e a insurgência terrorista criminal —termos cunhados pelo cientista político colombiano Vicente Torrijos— tornaram-se as principais ameaças à paz e à estabilidade das instituições.
Diante de estatísticas estarrecedoras, há que se repensar a violência armada no Rio de Janeiro. O comércio ilegal de drogas e de armas é parte de um problema mais amplo, que transcende os conceitos tradicionais de segurança pública e de segurança nacional.
Afinal, o próprio caráter dos conflitos armados nas sociedades pós-industriais modificou-se substancialmente, como advoga o general inglês Rupert Smith em sua obra “A Utilidade da Força: a arte da guerra no mundo moderno”. Ilícitos transnacionais representam hoje a principal fonte de receita de quadrilhas armadas que se antepõem ao Estado brasileiro —ainda que esses grupos visem ao lucro financeiro e sejam desprovidos de motivação político-ideológica.
A questão não tem recebido o tratamento de um problema de defesa típico do século 21, como é de fato. Ao contrário, tem sido interpretada tão somente como um evento de segurança pública e, portanto, circunscrito à esfera de responsabilidade das corporações policiais. Na verdade, a situação, anárquica e caótica, já adquiriu os contornos de um conflito irregular assimétrico típico da era da informação.
No Rio de Janeiro, fatores diversos e complexos criam áreas não governadas ou, nas palavras de Bartosz H. Stanislawski, “buracos negros” (black spots) —enclaves de micro-soberanias. No interior dessas áreas sem lei, grupos armados recorrem a táticas, técnicas e procedimentos típicos do combate irregular, com o intuito de conquistar, manter e expandir seu domínio territorial, além de ampliar os mecanismos de controle sobre nichos econômicos e sobre populações cativas.
Bolsões de ilegalidade operam como polos irradiadores de insegurança, defecção e corrupção. Sua ocorrência evidencia a fragilidade endêmica do Estado democrático e suas instituições. Expõe perante o mundo os limites da soberania sobre o território e seu povo, bem como a incapacidade de atender às demandas básicas dos cidadãos segundo os valores dos direitos humanos.
Interpretações antiquadas resultam na inação. Por décadas, contemplamos passivamente a perda de centenas de milhares de vidas brasileiras. A estrutura conceitual que tem orientado o Estado na promoção de segurança e defesa já não atende às legítimas demandas da sociedade. Soluções pré-formatadas, herdadas do século 20, não dão resultado e continuarão sem funcionar.
Torna-se imperativo, portanto, que o poder público seja reestabelecido para exercer o controle territorial de forma inconteste. Para tanto, fazem-se necessárias a integração das áreas não governadas e a erradicação das ameaças armadas que lhes dão suporte —tarefa hercúlea, urgente e de longa duração.