Seedorf precisa achar um Seedorf em Camarões
Atual campeão africano, porém sem ter obtido a classificação para a Copa do Mundo da Rússia, Camarões anunciou seu novo treinador.
Será Clarence Seedorf, holandês, cracaço de bola nos clubes por onde passou, nas décadas de 1990, 2000 e 2010: Ajax, Sampdoria, Real Madrid, Inter de Milão, Milan e Botafogo, onde encerrou a carreira em 2014.
Ele era uma espécie de multi-homem em campo. Volante, meia, ala, atacante.
Jogava muito bem em todas essas posições, e em mais de uma delas durante uma mesma partida. Marcava, passava e finalizava com igual competência.
Com 1,76 m, era forte, rápido, hábil, inteligente, criativo. De quebra, corria demais. Incansável.
(E, além disso, multilíngue: fala holandês, inglês, italiano, português, espanhol e surinamês.)
Conquistou, entre os títulos mais expressivos, quatro Ligas dos Campeões da Europa (Ajax-1995, Real Madrid-1998, Milan-2003 e Milan-2007), duas Copas Intercontinentais (Ajax-1995 e Real Madrid-1998) e um Mundial de Clubes da Fifa (Milan-2007).
Com a seleção holandesa, participou da Copa do Mundo de 1998, chegando até as semifinais, quando a equipe laranja foi superada pelo Brasil na disputa de pênaltis.
Camisa 10, não foi titular absoluto de Guus Hiddink na competição na França. O treinador preferiu escalar Edgar Davids, mais defensivo. Um absoluto desperdício de talento.
Como técnico, a carreira de Seedorf, que nasceu no Suriname (país que faz fronteira com o Brasil) e está com 42 anos, ainda é curta – e sem títulos.
Comandou o Milan em 2014, mas apenas por cinco meses, de janeiro a junho.
Em 2016, dirigiu o Shenzhen, na segunda divisão da China, também por cinco meses. Não conseguiu o acesso.
O terceiro e último trabalho, neste ano, durou ainda menos tempo: três meses e meio. Assumiu o Deportivo La Coruña em péssima situação no Campeonato Espanhol e não evitou o descenso.
Um total de 13 meses e meio de prancheta, ou pouco mais de um ano de atuação à beira do gramado, sem uma sequência adequada por nenhum clube.
Para se manter por um tempo maior à frente da seleção camaronesa, Seedorf tem um enorme desafio.
Assegurar o bicampeonato da Copa Africana de Nações, em março do ano que vem, diante da torcida dos Leões Indomáveis, já que Camarões é o país-sede.
Um obstáculo mais iminente que os adversários nessa competição é a formação de um time competitivo.
Será difícil. Na minha avaliação, Camarões, que já contou com a megaestrela Samuel Eto’o (ainda em atividade aos 37 anos, porém desempregado), tem atualmente só um grande jogador de linha: Aboubakar, que defende o Porto, de Portugal.
Grande mais no porte (1,84 m, 82 kg) do que no futebol propriamente dito. É um centroavante bom, mas falta-lhe regularidade.
Camarões carece principalmente de um ótimo atleta no meio-campo, alguém com o estilo de Seedorf, que seja completo e faça a diferença no setor. Que seja o ritmista da equipe.
Na história, se é possível citar nos Leões Indomáveis nomes respeitáveis no gol (N’Kono, Bell, Kameni), na defesa (Song, Lauren, Geremi) e no ataque (Eto’o, Milla, Mboma), eles sempre careceram de meio-campistas criadores.
O único que merece menção atuou nas já distantes décadas de 1970 e 1980: Teophile Abega, titular na Copa do Mundo da Espanha-1982 e capitão na conquista da Copa Africana de Nações de 1984, na Costa do Marfim (a primeira das cinco conquistas camaronesas no torneio).
Apelidado “Doutor”, pelo jogo cerebral, ele pendurou as chuteiras há mais de 30 anos e nem vivo está – morreu em 2012, aos 58 anos, vítima de um problema cardíaco.
Seedorf, para esticar sua permanência em Camarões, precisa apresentar resultados.
Para isso, tem de olhar atentamente para a seleção sub-20 do país e dar um jeito de achar, urgente, uma revelação no meio-campo. Um Seedorfinho.
Sem um meia que espelhe as características de seu atual treinador, será improbabilíssimo Camarões repetir a inesperada performance de 2017 na competição de seleções da África.
E sem um bom desempenho camaronês na Copa Africana de Nações, serão novamente pouquíssimos os meses de Seedorf empregado.
Em tempo 1: Camarões teve em sua história 24 treinadores estrangeiros (incluindo o atual) e dez nascidos no país. Dos gringos, houve franceses (9), iugoslavos (4), alemães (4), belgas (2), espanhol, português, soviético e… um holandês – Seedorf é o segundo. Arie Haan durou menos de seis meses no cargo, entre 2006 e 2007.
Em tempo 2: Seedorf terá como assistente técnico em Camarões um compatriota, famoso como ele: o ex-atacante do Barcelona e da seleção holandesa Patrick Kluivert.