Tênis de R$ 1 mil dá vantagem para corredores e acende questionamento
Se um calçado para corrida tornasse o corredor 25% mais rápido, seria justo usá-lo em uma prova? E quanto a 10%? Ou 2%?
O Nike Zoom Vaporfly 4% - um tênis de corrida caro e com grande elasticidade, que chegou ao mercado um ano atrás — desperta esse tipo de questão como nenhum outro calçado na história recente das corridas de fundo.
A Nike diz que o modelo é cerca de 4% melhor que alguns de seus melhores calçados para corrida, medido em termos da energia despendida pelo corredor quando compete usando o Vaporfly.
É uma reivindicação chocante, um ganho de eficiência que equivaleria a uma melhora de tempo de quase seis minutos para alguém que corra uma maratona em três horas, ou de oito minutos para quem corre uma maratona em quatro horas.
E pode ser que ela proceda, de acordo com uma nova análise conduzida pelo The New York Times quanto a dados de corridas, envolvendo cerca de 500 mil tempos em provas de maratona e meia maratona, disputadas de 2014 para cá.
Tomando por base relatórios públicos sobre tempos de prova e dados relativos a calçados recolhidos pelo Strava, um app de fitness que se define como uma rede social para atletas, o The New York Times constatou que corredores que usam o Vaporfly tiveram tempos 3% a 4% melhores que os de atletas semelhantes que usavam outros calçados, e mais de 1% mais rápidos que os dos atletas que usavam o segundo mais eficiente entre os calçados de corrida da lista.
Constatamos que a diferença não pode ser explicada por o modelo estar sendo usado por corredores mais rápidos, por ele estar sendo usado em provas mais fáceis, ou por os corredores terem começado a usar o Vaporfly depois de correrem distâncias maiores em seus treinamentos.
Em lugar disso, a análise sugere que, em uma corrida entre dois maratonistas da mesma capacidade, aquele que usa o Vaporfly teria vantagem real sobre um competidor que não use o modelo.
As vantagens para os corredores calçados com o Vaporfly se mantiveram em provas mais lentas e mais rápidas, masculinas e femininas, e para corredores em sua segunda ou em sua quinta maratona.
O Vaporfly — vendido por US$ 250 o par nos EUA, mais de R$ 1 mil — foi lançado para o público geral na metade do ano passado.
Diferentemente da maioria dos tênis de corrida, ele conta com uma placa de fibra de carbono no meio do solado, que armazena e libera energia a cada passada, e tem por objetivo servir como uma espécie de catapulta ou estilingue, para propelir o corredor.
Comparado aos calçados típicos de treinamento, o Vaporfly aparentemente se desgasta muito mais rápido. Alguns corredores dizem que ele perde a efetividade depois de cerca de 160 quilômetros.
A aparente efetividade do modelo coloca em destaque uma questão que causa problemas para os dirigentes esportivos há décadas: como determinar que avanços tecnológicos constituem vantagem competitiva desleal?
Os dirigentes do golfe proibiram o uso de certas bolas, cujo voo é mais reto, e a NFL proibiu o uso de uma substância adesiva que ajuda os jogadores de futebol americano a apanhar a bola; na natação, os dirigentes proibiram o uso de trajes de alta tecnologia que aparentemente propiciavam mais velocidade e flutuação.
Os trajes de natação avançados pareciam propiciar redução de tempo da ordem de até 2% — comparável à suposta vantagem que o Nike Vaporfly confere com relação a alguns dos modelos de calçados de corrida mais populares na lista compilada.
A Associação Internacional de Federações de Atletismo (Aifa), que controla as provas de fundo internacionais, tem regras quanto a calçados, mas elas são vagas: “Os calçados não devem ser produzidos de forma a dar aos atletas vantagem ou assistência desleal”.
Mas elas não especificam quais seriam essas vantagens.
As regras também afirmam que os calçados “devem estar razoavelmente disponíveis para todos, no espírito de universalidade do atletismo”.
Os estoques do Vaporfly se esgotam rápido. No mercado paralelo, um par pode custar US$ 400 ou mais.
A mais nova versão do calçado, o Nike Elite Flyprint, foi vendido a um número limitado de participantes da Maratona de Londres 2018 por 499 libras (cerca de US$ 650).
Quando questionado se o modelo se enquadra às regras do atletismo, um porta-voz da Nike respondeu via email que o calçado “atende a todas as exigências da Aifa quanto a produtos e não requer inspeção ou aprovação oficial”.
Yannis Nikolaou, porta-voz da Aifa, disse que embora seja acurado afirmar que o Vaporfly é legal, na verdade o mais exato seria afirmar que não existem provas de que ele deva ser considerado ilegal.
“Precisamos de provas para afirmar que há algo de errado em um calçado”, ele disse. “Ninguém jamais apresentou provas que nos convencessem”.
Tradução de PAULO MIGLIACCI