Tênis vive dilema entre alterar regra e tolerar trapaça de técnicos
Brad Stine é um treinador notável, muito experiente, e em geral respeita as leis. Mas como muita gente no tênis profissional, ele viola regularmente as regras ao transmitir instruções aos seus atletas durante partidas.
Stine, ao contrário de alguns de seus colegas no tênis masculino, não faz sinais ou usa palavras-código para se comunicar com seus atletas, mas transmite mensagens sutis. E diz jamais ter sido punido por isso.
"Acredito que muitas instruções sejam transmitidas pelos treinadores, e que quem não admite que o faz não está sendo honesto sobre o que realmente acontece", disse Stine, treinador de Kevin Anderson, que chegou à final de Wimbledon este ano.
O esporte está claramente em um ponto de inflexão. O tênis feminino permite instruções de treinadores durante os jogos uma vez por set, nos torneios regulares do tour, entre os quais as finais da Associação de Tênis Feminino (WTA, na sigla em inglês), esta semana em Cingapura.
Imagens das visitas dos treinadores à quadra, muitas vezes emotivas, se tornaram um dos traços característicos da cobertura televisiva dos jogos do tour e do material que a WTA posta nas mídias sociais.
Mas os treinadores estão proibidos de instruir as jogadoras nos quatro torneios do Grand Slam, que são o grande momento do esporte. E estão proibidos de instruir os atletas em todas as competições do tênis masculino; de acordo com representantes da ATP Tour não existem planos de autorizar instruções pelos treinadores nos torneios regulares da temporada de 2019.
Mas a questão voltou a ganhar importância depois da contenciosa final feminina do Aberto dos Estados Unidos, no mês passado, quando Serena Williams recebeu uma punição do árbitro de cadeira Carlos Ramos por seu treinador, Patrick Mouratoglou, ter sinalizado para ela das arquibancadas. Williams, que negou ter visto os sinais ou ter sido instruída durante a partida, perdeu a calma e saiu derrotada, diante de Naomi Osaka.
"Tentei orientá-la, como 100% dos treinadores em 100% das partidas, o ano todo", disse Mouratoglou depois do jogo. "Todo mundo sabe disso. Ninguém nega, o que inclui as federações internacionais, os jogadores e os treinadores. É preciso haver um debate, e sério, sobre autorizar ou não as instruções pelos treinadores, porque hipocrisia tem limite".
Mouratoglou posteriormente esquentou ainda mais o debate ao postar um argumento detalhado em favor da legalização das instruções por treinadores, em sua conta no Twitter. O ponto central dele era o de que o tênis é um dos raros esportes em que treinadores não podem interferir durante as partidas, e que permitir instruções durante os jogos vai aumentar o valor de entretenimento do esporte e pode até mesmo ampliar sua base de torcedores. Mouratoglou e outros argumentaram que as instruções podem beneficiar a qualidade do jogo.
Mouratoglou não é o mensageiro ideal para a proposta. Embora tenha pressionado por mudanças no passado, seus argumentos posteriores ao Aberto dos Estados Unidos parecem defensivos. Também vale a pena mencionar que Williams nunca o chama à quadra para conversar durante os torneios regulares da WTA.
Mas alguns de seus pontos são válidos, e muitos deles foram repetidos em uma reunião fechada esta semana em Cingapura, quando os organizadores dos torneios de Grand Slam, a Federação Internacional de Tênis, a WTA e a ATP (que comanda o tênis masculino) discutiram a participação dos treinadores.
A opinião quanto ao assunto se divide fortemente, no tênis; Roger Federer, a maior atração do tênis masculino, é oponente da mudança. "Compreendo que os melhores jogadores não apoiem a ideia, porque eles sabem que ela faria diferença e reduziria sua margem de vitória", disse Boris Becker, três vezes campeão do torneio de Wimbledon e antigo treinador de Novak Djokovic.
O principal argumento contra a mudança é que os grandes campeões do tênis ao longo dos anos em muitos casos eram ótimos em resolver problemas em momentos de pressão, o que é parte do que os torna grandes.
"Acho que aí está o ouro, o pacote completo de um atleta", disse Roger Rasheed, que treinou tenistas como Lleyton Hewitt, Gael Monfils e Jo-Wilfried Tsonga.
Até mesmo alguns treinadores que instruem seus atletas em quadra, como Sascha Bajin, o treinador de Osaka, se opõem a que a prática seja estendida aos torneios de Grand Slam. "Isso vai resultar em excesso de informação", disse Bajin, "Creio que muitos dos jogadores em ascensão já sofram de excesso de instruções. Acho que isso os faria parar de pensar por conta própria".
Ainda que o aumento nas premiações tenha elevado a renda dos atletas que ocupam posições mais baixas no ranking, também há a preocupação de que autorizar instruções criaria desigualdades, e que alguns jogadores não poderiam bancar treinadores altamente qualificados para assessorá-los.
"Isso seria justo?", perguntou Paul Annacone, antigo treinador de Federer e Pete Sampras, e agora consultor do jovem tenista americano Taylor Fritz.
A ATP e Wimbledon continuam a ser os dois mais fortes obstáculos a uma expansão ainda maior das instruções de treinadores. O Aberto dos Estados Unidos, que testou o sistema em suas rodadas qualificatórias e no torneio de juniores, gostaria de adotá-lo em suas partidas principais em 2019, mas, já que é necessária unanimidade entre os torneios do Grand Slam para promover essa mudança, Wimbledon poderia bloqueá-la, ainda que os líderes do Aberto dos Estados Unidos esperem que os dirigentes de Wimbledon ao menos permitam que os outros torneios de primeira linha vão em frente.
O plano do Aberto dos Estados Unidos não é seguir o exemplo da WTA, mas sim permitir que os treinadores orientem os jogadores apenas do banco ou da arquibancada. Isso acontece em parte - mas apenas em parte - porque os dirigentes dizem acreditar que é impossível fazer cumprir a regra vigente.
Isso parece inegável quando você conversa com treinadores. Nem todos concordam com a afirmação de Mouratoglou de que "100%"deles passam instruções aos atletas durante os jogos. "Alguns fazem, alguns não", disse Mardy Fish, tenista que já esteve no top 10 do ranking masculino.
Mas existe um consenso de que formas disfarçadas de instrução são prática comum.
"Não conheço um treinador que não oriente o atleta, da lateral", disse Becker. "O segredo é não ser apanhado. Esse pode ser um bom sistema".
Por enquanto, instruir atletas ilicitamente é praticado de diversas maneiras, como acontece há décadas. Brad Gilbert, comentarista da rede de esportes ESPN, chegou ao quarto posto do ranking masculino do tênis, quando jogador, e também treinou Andre Agassi, Andy Roddick, Andy Murray e Kei Nishikori.
"Eu sempre passava instruções, e nunca fui punido por isso em minha carreira", ele disse, falando em Malibu, Califórnia, na semana passada. "A sutileza é não ser óbvio. Nunca mova as mãos como se estivesse recomendando um forehand ou backhand. Nunca leve o dedo ao nariz no primeiro serviço, ou coisa assim".
Mas Gilbert, que defende a legalização das instruções durante o jogo, disse que já viu jogadores conversando longamente com seus treinadores sem receber punições, especialmente se a conversa transcorre em outro idioma que não o inglês.
"Creio que às vezes a coisa mais efetiva é adotar uma palavra-código sorrateira, que nada queira dizer para os outros", ele disse.
Gilbert citou alguns exemplos, de sua carreira: "calda", "Boca Town Center" ou, a mais intrigante, "misture a salada".
"Não vou contar o jogador que estava envolvido", disse Gilbert.
Posicionar um árbitro na lateral ao lado do treinador talvez ajude na fiscalização, mas o código de instrução pode ser simples - basta o treinador se levantar ou passar a mão no cabelo. Punições são raras: apenas 11 multas associadas a instruções por treinador foram aplicadas nesta temporada da ATP; em 2017 foram seis.
Stine disse que o relacionamento intuitivo entre o treinador e o jogador tornava possível transmitir dicas significativas. "Temos conversas o tempo todo sobre áreas de foco no jogo do atleta", ele disse. "Assim, um, dois ou três dias mais tarde, basta dizer uma palavra a ele e você sabe que ele compreenderá que é daquilo que falamos, e que é algo que peço que ele aplique um pouco melhor no jogo. Não que isso torne o que você está fazendo certo, mas eu pessoalmente me sentiria desconfortável se tivesse gestos, sinais e palavras-código combinadas".
Os árbitros de cadeira reconhecem que policiar plenamente as instruções por treinadores é uma "missão impossível", mas dizem que é possível minimizá-las. E a regra atual da ATP Tour restringe o impacto que um treinador pode ter na partida. Palavras-código, sinais ou comentários breves podem transmitir apenas informações básicas: servir na paralela ou na diagonal, jogar mais perto do fundo, e outras táticas.
Mas como a abordagem da WTA deixa claro, a capacidade de falar longamente e de maneira irrestrita com o jogador pode afetar sua capacidade e desempenho de modo muito mais profundo.
Será que o tênis quer mesmo alterar sua essência? Ou será melhor continuar com o paradoxo atual: tolerar certa medida de trapaça, pelo bem comum?
"É um daqueles grandes debates", disse Gilbert.