Trunfo de documentário sobre mulheres na política foi prever renovação nos EUA
Era 2018, e Alexandria Ocasio-Cortez ainda não sabia que poderia vencer um figurão do Partido Democrata e se tornar a mulher mais jovem eleita para o Congresso dos Estados Unidos.
Sentada num sofá surrado, a ex-garçonete de 29 anos comparava com ironia seu material de campanha ao de seu adversário, o deputado Joseph Crowley. O então líder da bancada democrata na Câmara também enfrentava um fato inédito: em 14 anos, era a primeira vez que alguém o desafiava nas prévias para a eleição ao 14º distrito de Nova York.
Entre olhares para o namorado e a câmera da documentarista Rachel Lears, Alexandria afirma que o panfleto de Crowley não elenca propostas.
“Esta é a diferença entre uma organizadora e um estrategista: o que quero das pessoas? Que saibam meu nome e que precisam votar. ‘Votar nela por quê?’ Fim da guerra às drogas, energia 100% renovável e universidade pública gratuita”, diz a carismática democrata.
A cena é a alegoria perfeita de “Virando a mesa do poder" ("Knock Down the House”, no original em inglês) documentário da Netflix que retrata a campanha de quatro mulheres progressistas que concorreram a uma vaga no Congresso. Além de Alexandria, o filme conta as histórias de Amy Vilela, em Nevada, Cori Bush, no Missouri, e Paula Jean, em West Virgínia.
Com dramas que vão da morte de uma filha à cruzada contra mineradoras de carvão, as candidatas gestaram o movimento que desaguou no resultado das eleições legislativas de 2018, quando o Congresso americano passou por renovação histórica.
Com recorde de mulheres, jovens e imigrantes se candidatando pelo Partido Democrata, eles se apresentaram com ideias mais à esquerda e campanhas que falavam diretamente ao eleitor.
Para isso, enfrentaram nomes que estão há décadas no Congresso, financiados por empresas e por um sistema eleitoral que, muitas vezes, beneficia quem quer apenas se perpetuar no poder.
Lears escolheu quatro desses novatos para acompanhar por alguns meses, ainda sem saber da sorte que teria ao ver Alexandria ser eleita e se tornar a nova estrela do partido do ex-presidente Barack Obama.
Ao longo de uma hora e meia, o filme desnuda o drama dos democratas hoje: para frear a onda de direita, é preciso manter discurso mais moderado e de aceno a empresários ou radicalizar e discutir temas com relação direta ao dia a dia da população? As candidatas retratadas investem na segunda receita. Apostam na política porta em porta e em reuniões que, várias vezes, juntam menos de dez pessoas.
Das quatro protagonistas, somente Alexandria tem sucesso —seu distrito é majoritariamente progressista— e está aí está a explicação para o roteiro ser basicamente focado na sua história.
O filme conseguiu antecipar um novo fenômeno político sem a ajuda de especialistas, gráficos ou excesso de números. O tema árido é desenrolado somente com o discurso dos candidatos, suas histórias de vida e a de seus eleitores que, por vezes, refletem quão difícil é furar o bloqueio da política tradicional.
Lears fica devendo ao não aprofundar as propostas das candidatas —citadas de forma genérica— e sem avaliação alentada sobre o que deu errado na empreitada de quem não se elegeu.
A principal tese é simplista e vem de Alexandria. Num telefonema após a derrota da colega Amy, diz que “para um de nós conseguir, cem de nós temos que tentar”.