Uma força da natureza, voz de Aretha Franklin arrepiava os seus ouvintes
"Que voz é essa?" Muitos ouvintes que escutaram pela primeira a voz cortante e poderosa de Aretha Franklin, na programação das rádios comerciais durante as décadas de 1960 e 1970, interpretando sucessos como "Think", "Call Me" ou "I Say I Little Prayer", devem ter se feito essa pergunta.
Quando a ouviu, em 1960, o experiente produtor americano John Hammond não pensou duas vezes antes de contratá-la. "Meu Deus, é a voz mais bonita desde Billie Holiday!", surpreendeu-se o executivo da gravadora Columbia.
Com uma rara extensão de quase quatro oitavas, a voz de Aretha soava como algo fora do comum, uma força da natureza. Poucos cantores têm esse poder de arrepiar os seus ouvintes --e ela fazia isso com naturalidade.
Não se tratava apenas de um atributo físico ou técnico. Como grande intérprete que era, Aretha transmitia uma dose de sinceridade em suas gravações e performances, que conquistava o ouvinte logo na primeira audição. Bastava ouvir alguns versos de uma balada dolorida, de uma canção de protesto ou mesmo de um hino religioso, para que o ouvinte se sentisse, imediatamente, um confidente daquela intérprete tão carismática.
Aretha conseguiu romper as fronteiras entre o soul, o R&B, o gospel, o jazz e o rock numa época em que essas divisões pareceriam reproduzir a segregação racial que predominava na sociedade americana. Seu talento natural e a habilidade de improviso lhe permitiam transformar até uma fútil canção pop em algo sedutor e convincente.
Um dos mais influentes e cultuados cantores e compositores da música negra americana, Otis Redding foi obrigado a se curvar frente ao poder musical da rainha do soul. Seu sucesso "Respect" alcançou uma repercussão bem maior ao ser regravado por ela.
Ampliado pela voz de Aretha, o efeito dessa canção ganhou duplo sentido ao exigir em seus versos "um pouco de respeito". "Respect" se transformou num hino espontâneo da luta pelos direitos civis dos negros nos Estados Unidos. E logo foi adotado pelas ativistas do movimento feminista.
Vale lembrar que, mesmo sem ter tido uma educação formal de música, Aretha aprendeu o que precisava em casa e na igreja do pai para seguir a carreira musical. Ali conviveu com grandes intérpretes da música gospel, como Mahalia Jackson e Clara Ward, cujas vozes a estimularam a querer ser cantora.
Embora tenha se dedicado a diversos gêneros, a essência de seu canto estava no gospel. Não foi à toa que, depois de lançar alguns de seus discos mais cultuados, como "I Never Loved a Man the Way I Love You" (1967), "Spirit in the Dark" (1970) ou "Young, Gifted and Black" (1972), Aretha Franklin gravou "Amazing Grace". Um retorno revelador às suas raízes musicais.