Vago, rascunho de relação Reino Unido-UE tem trunfos para os dois lados pós-'brexit'
As grandes diretrizes para a relação entre a União Europeia e o Reino Unido pós-divórcio, em março de 2019, foram conhecidas nesta quinta-feira (22), e a carta de intenções traz conquistas de ambas as partes.
O rascunho de 26 páginas, que ainda precisa passar pelo crivo de chefes de Estado e de governo europeus, o que deve acontecer em cúpula no próximo domingo (25), tem caráter de declaração política, e não de documento legal, ao contrário do acordo fechado na semana passada sobre os termos da separação britânica.
O texto de agora menciona a possível criação de uma área de livre comércio, com cooperação regulatória e aduaneira, além de medidas para evitar vantagens competitivas indevidas para alguns atores dentro do perímetro.
Mas reconhece a liberdade do Reino Unido de, para além dos limites dessa parceria específica, desenvolver uma política comercial própria.
O que não está claro é o quão próxima vai ser a relação comercial entre os dois lados. O lado britânico ainda não definiu se irá preferir mais alinhamento regulatório —o que pode enervar os defensores de uma separação mais dura— ou mais autonomia —o que fatalmente dificultaria as transações.
O esboço sobre o futuro elo recicla a ideia, já presente no acordo de separação, de que uma união aduaneira britânico-europeia entrará em vigor caso os termos exatos das trocas comerciais entre os parceiros não tiverem sido definidos durante a transição pós-"brexit" (que irá de março de 2019 a dezembro de 2020, podendo ser renovado por um ou dois anos).
O alinhamento tarifário pretende evitar o restabelecimento de checagens rígidas de mercadorias na fronteira entre a Irlanda (país que integra a UE) e a Irlanda do Norte (parte do Reino Unido), que poderiam reavivar um conflito civil a opor nacionalistas (simpatizantes da fusão com Dublin) e unionistas (partidários da causa britânica).
O problema é que muitos correligionários da primeira-ministra britânica, Theresa May, veem na hipótese de existir uma união aduaneira uma ameaça à soberania do Reino Unido, justamente aquilo que o voto vencedor no plebiscito de 2016 quis defender ao pedir a saída da UE.
Em aceno a eles, o rascunho inclui um compromisso assumido pelos signatários de buscar soluções alternativas para a questão fronteiriça que não o chamado “backstop”.
A provisão não pareceu suficiente para convencê-los da solidez do texto –tanto o acordo sobre a separação como a declaração de princípios sobre a relação comercial futura precisam ser aprovadas pelo Parlamento britânico; a sessão de votação está prevista para meados de dezembro.
Líder da ala do partido de May que defende uma ruptura mais severa com a Europa, Iain Duncan Smith disse no Parlamento na tarde desta quinta, na presença da primeira-ministra, que considerava insignificante a inclusão da referência a possíveis soluções tecnológicas para o problema da fronteira irlandesa –mesmo que a sugestão tenha partido dele mesmo. Também afirmou que votaria contra o texto defendido por May.
Outra vitória (em termos) de May e dos negociadores britânicos é o fato de a declaração não fixar as condições para a pesca de embarcações europeias em águas britânicas.
Países como França e Holanda queriam associar a concessão ao Reino Unido do direito de vender peixes e frutos do mar à Europa ao acesso de barcos dos países do bloco ao perímetro aquático do parceiro. Mas as tratativas pesqueiras só começarão de fato após o "brexit", em março do ano que vem.
Do lado europeu, houve duas conquistas claras. A primeira diz respeito à manutenção do status do Tribunal Europeu de Justiça como instância máxima de resolução de conflitos em torno da aplicação da legislação europeia, mesmo que abaixo dele existam colegiados de arbitragem de composição mista.
Além disso, a declaração de princípios faz menção a uma competição comercial “livre e justa” entre mercadorias britânicas e europeias e estabelece a sujeição de todas elas ao arcabouço trabalhista, ambiental e tributário europeu já existente –ou seja, o Reino Unido não precisaria adotar leis continentais aprovadas após sua saída, mas tampouco poderia deixar de observar as hoje em vigor.
Um dos poucos pontos em que ainda parece faltar sintonia entre as partes é o que se refere ao status do território de Gibraltar, no extremo sul da península Ibérica.
Com 30 mil habitantes, o perímetro é um domínio britânico desde o começo do século 18. A Espanha contesta isso e diz que, caso os dois textos a serem apreciados por líderes europeus no domingo incluam Gibraltar em seu escopo, votará contra eles.
Madri quer discutir o futuro do território fora do âmbito do "brexit", em conversas reservadas com o Reino Unido.