Veja perguntas e respostas sobre o homeschooling, ou educação domiciliar
Cerca de 5.000 famílias brasileiras são praticantes do homeschooling (chamado também de educação domiciliar ou ensino doméstico).
A estimativa é da Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned). A prática teve início no Brasil nos anos 1990 e vem conquistando a cada ano mais adeptos. Na última pesquisa realizada pelo grupo, em 2016, o número de famílias adeptas era de 3.200.
Hoje, o Brasil não possui regulamentação sobre educação domiciliar. Por isso, quem deseja ensinar os filhos em casa precisa recorrer à Justiça para obter autorização, sem a certeza de que irá obtê-la.
O cenário, no entanto, deve mudar nos próximos meses. Isso porque o governo de Jair Bolsonaro (PSL) colocou o tema entre as prioridades dos seus cem primeiros dias de gestão. Respondemos às principais dúvidas sobre homeschooling.
1) O que é o homeschooling (educação domiciliar)?
É a prática de educação que não acontece na escola, mas em casa. Pelo modelo, as crianças e jovens são ensinados em domicílio com o apoio de um ou mais adultos que assumem a responsabilidade pela aprendizagem.
2) Com quem as crianças que estudam em casa aprendem?
Não há um único modelo para a prática. Entre os mais comuns estão os próprios familiares assumirem a tutoria dos estudos ou mesmo um grupo de pais e outros responsáveis pelas crianças adeptas da educação domiciliar se unirem e dividirem o ensino dos diferentes componentes curriculares. Há ainda o modelo em que professores particulares são contratados para fazer a tutoria da aprendizagem em casa. A modalidade também obedece o ritmo e os interesses de cada criança.
3) As crianças que estudam em casa aprendem os mesmos conteúdos dados na escola regular?
Não necessariamente. Há quem até mesmo utilize de materiais e conteúdo programático usados por escolas para guiar os estudos em casa. No entanto, como no Brasil não há lei que regulamente a prática do homeschooling, este modelo não é obrigatório. Em outros casos, os tutores —sejam estes contratados ou familiares— são mais vistos como mediadores do ensino e não focam em todos os conteúdos trabalhados pela escola, mas em ensinar as crianças a aprender. Projetos pedagógicos, cursos de idiomas e livros podem apoiar esse trabalho domiciliar. No caso dos pais que tentam cumprir um conteúdo programático, mas não possuem tanta habilidade ou proximidade com o conteúdo ou componente curricular, há ainda a possibilidade de contratar um professor para orientar esse trabalho.
4) O que a legislação brasileira diz sobre o tema?
Não há legislação específica sobre o assunto. Embora a lei não proíba explicitamente a prática, ela também não a respalda. De acordo com a Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases Educacionais (LDB), a Educação é “dever do Estado e da família”. Ainda na LDB, é colocado como dever dos pais ou responsáveis “efetuar a matrícula das crianças na Educação Básica a partir dos quatro anos de idade”.
Visando garantir o direito à Educação previsto na Constituição, o Código Penal criminaliza os responsáveis que não matriculam seus filhos em escola autorizada pelo Ministério da Educação (MEC). Aqueles que não o fazem podem sofrer ações judiciais.
No entanto, pelo fato do ensino domiciliar não ser tratado explicitamente na legislação, é possível recorrer na justiça para conseguir autorização para educar em casa. A decisão, porém, depende de interpretação da Justiça e nem todas as famílias conseguem a garantia da prática.
A busca pela regulamentação não é nova. Há projetos de 2001, 2003, 2008, 2009, 2012, 2015 e 2018 que tratam do tema. Em 2009, o MEC emitiu um parecer em que considerava inconstitucional a modalidade.
No entanto, em outubro de 2017, sob a liderança do então ministro Mendonça Filho, o MEC iniciou um estudo técnico sobre o assunto para revisão da posição sobre a prática. A discussão foi encaminhada ao Conselho Nacional de Educação (CNE) e para o Supremo Tribunal Federal (STF).
Em setembro de 2018, o STF julgou que o homeschooling não deveria ser admitido enquanto não houvesse uma lei que o regulamentasse o tema. No entanto, a decisão não mudou o atual entendimento sobre o tema, já que não houve julgamento sobre a inconstitucionalidade na decisão.
Os próximos passos para a regulamentação ou proibição da prática ficam sob responsabilidade do Congresso. O governo de Jair Bolsonaro já declarou que o tema é uma das medidas prioritárias dos cem primeiros dias de gestão e o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos edita uma medida provisória (MP) com uma proposta para regulamentação.
5) Por que algumas famílias querem uma alternativa à escola?
As motivações para o ensino domiciliar são variadas. Há famílias que a buscam por questões religiosas, por prevalência de convicções e valores familiares na educação dos filhos, para preservar as crianças de assédio moral ou bullying, por insatisfação com o ambiente escolar e pela crença de que a educação domiciliar permitirá melhor qualidade de ensino às crianças e adolescentes.
6) O que acontece hoje quando alguma família quer praticar educação domiciliar?
Como a prática não é regulamentada —a lei não diz explicitamente se é proibido ou não—, as famílias precisam recorrer à Justiça para conseguirem autorização para ensinar as crianças e adolescentes em casa. Como a decisão fica a cargo da Justiça, não é certo que a família consiga autorização para o ensino domiciliar. Caso não haja autorização da Justiça e a família não matricule seus filhos na escola, ela pode sofrer uma ação judicial, já que a matrícula na escola é obrigatória a partir dos quatro anos de idade.
7) Há outros países em que o homeschooling é liberado?
Sim. De acordo com a Aned, em ao menos 60 países há adeptos da prática. Estados Unidos, França, Portugal, México e Paraguai, por exemplo, possuem regulamentação sobre o tema e não há necessidade de recorrer à Justiça para educar crianças e adolescentes em casa. Nos Estados Unidos, os adeptos da modalidade chegam a 2 milhões.
8) Há países em que o homeschooling é proibido?
Na Alemanha e Suécia, a prática é proibida e considerada crime.
9) Por que o assunto está sendo tão falado?
A regulamentação da educação domiciliar é uma das medidas prioritárias dos 100 primeiros dias do Governo de Jair Bolsonaro. A responsabilidade de trazer uma proposta sobre o tema é do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Com auxílio da Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned), o ministério está redigindo uma medida provisória para regulamentar a modalidade. Até 2018, a discussão do ensino em casa era de responsabilidade do Ministério da Educação. No entanto, na gestão de Bolsonaro, a pauta está sendo tratada como um direito da família e não uma política educacional. A proposta de regulamentação do homeschooling é apoiada pelo Ministério da Educação (MEC).
10) O que consta na medida provisória?
Ela ainda não foi divulgada e, portanto, ainda não há definições claras. Uma das propostas discutidas no Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos é de que haja a cobrança de uma taxa para as famílias que optem pela modalidade. A medida teria a função de ajudar a viabilizar financeiramente a fiscalização do homeschooling.
Em 2018, o MEC chegar a encaminhar uma proposta sobre o tema para discussão para o Conselho Nacional de Educação (CNE). Entre os caminhos possíveis estavam o estabelecimento de regras para garantir equidade para as crianças que estudem em casa em e a garantia da presença dos conteúdos determinados pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
Para isso, os responsáveis que optassem pela modalidade precisariam apresentar uma proposta de estudo das crianças e adolescentes ao Conselho Estadual ou Municipal, que deverá validá-la e definir estratégias de acompanhamento. Não há evidências, no entanto, de que as propostas encaminhadas pelo MEC de Michel Temer estejam contempladas na MP editada pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
11) Como funciona a tramitação de uma medida provisória?
Diferente dos projetos de lei (PL), que percorrem a Câmara dos Deputados e o Senado até chegarem ao presidente, as medidas provisórias são instauradas pelo presidente e só depois são discutidas nas duas casas. A MP é prevista no artigo 62 da Constituição Federal brasileira e só pode ser adotada em casos relevantes e urgentes. As medidas nascem com força de lei sob o prazo de 60 dias. Durante esse período, o texto é encaminhado à Câmara e, posteriormente, ao Senado. Cabe às duas casas emitirem pareceres sobre o tema e sugerirem alterações no texto enviado pelo ministério. As casas devem decidir se a proposta vira uma lei permanente ou não. Caso ela não seja convertida em lei nos 60 dias, o prazo de vigência da MP pode ser prorrogado por mais 60 dias.
Após passar pela Câmara e Senado, se aprovado, o documento segue para o presidente, que tem o direito de vetar parcial ou integralmente o texto, caso discorde de pontos da proposta ou de alterações no texto original feitas pelo Congresso. Por natureza, a MP tem uma tramitação mais rápida do que os PL, que podem percorrer anos no Congresso. Foi o que aconteceu, por exemplo, com a Reforma do Ensino Médio, editada via MP. A proposta do novo modelo foi apresentada em 22 de setembro de 2016. O texto foi aprovado na Câmara em 13 de dezembro do mesmo ano e pelo Senado em 8 de fevereiro de 2017. Oito dias depois, foi sancionada pelo então presidente Michel Temer.
12) O que significa regulamentar o homeschooling?
Significa ter uma legislação que determine a liberação do homeschooling e que determine regras para que ela aconteça. Em 2018, o MEC enviou uma proposta ao CNE em que sugeria algumas regras para a regulamentação. Entre elas estavam a garantia de que os conteúdos estudados em casa contemplassem aqueles determinados pela BNCC. Para isso, os responsáveis pelas crianças precisariam apresentar uma proposta de estudo para validação do Conselho Estadual ou Municipal, que também definiria estratégias de acompanhamento do cumprimento das regras estabelecidas.
Apesar da proposta do MEC em 2018, a regulamentação em discussão será baseada na medida provisória que está sendo editada pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos como política prioritária dos primeiros cem dias do governo Bolsonaro. Na maioria dos países adeptos do ensino domiciliar, é exigido que as crianças e adolescentes que estudam em casa participem de uma avaliação anual.
13) Quais são os argumentos dos que são contrários ao homeschooling?
O primeiro argumento, diante do fato de que não há regulamentação da modalidade, é de que não há mecanismos de controle em relação à frequência e conteúdo lecionado. Sem a definição de regras para a prática da educação domiciliar, não haveria garantia da qualidade do ensino praticado em casa.
Além disso, os contrários à liberação também defendem que a convivência social com grupos variados e interação com opiniões diferentes proporcionada pelo ambiente escolar é de grande importância e não é necessariamente garantida pelos responsáveis que optam pelo homeschooling. Competências como falar em público, trabalhar colaborativamente e empatia para lidar com pontos de vista conflitantes também seriam prejudicadas na modalidade.
Alguns especialistas ainda apontam a importância da escola em identificar comportamentos de risco dentro dos ambientes familiares, como abuso sexual, violência doméstica e exploração. Há ainda uma crítica de que apenas as famílias com um poder aquisitivo mais alto poderiam optar pela educação domiciliar, já que ela pressupõe disponibilidade dos responsáveis para guiar os estudos em casa e domínio dos conteúdos a serem ministrados ou ainda condições financeiras para bancar professores particulares.
14) Quais são os argumentos dos que são favoráveis ao homeschooling?
Como a prática é motivada por diferentes fatores, há diferentes argumentos entre os grupos favoráveis. Alguns manifestam preocupação com assédio moral, bullying e insegurança nas escolas e colocam que o ambiente familiar proporcionaria maior segurança e menor sofrimento emocional ou mesmo físico. Há ainda os que buscam resguardar as crianças moralmente da escola por questões religiosas ou crenças pessoais.
Outras famílias alegam insatisfação com o ambiente escolar e acreditam que em casa poderiam proporcionar melhores resultados acadêmicos por meio da maior flexibilidade ao tempo, planejamento de conteúdos e acompanhamento individual, maior atenção aos problemas de aprendizagem e acompanhamento do desenvolvimento escolar mais próximo.