Verdadeiro fim da aventura no centro
Dei o título “Fim da aventura no centro” à última coluna, mas não consegui terminar a história. Prometo que de hoje ela não passa.
Resumo pros que perderam os capítulos anteriores: fui ao centro depois de uma sessão de fisioterapia, tomei um café, conversei com um craqueiro e de repente estava no primeiro andar de um sobrado cheio de badulaques hipongas, diante de uma tal de M. Luz, vidente, que, pra minha surpresa, era minha amiga de faculdade Mari Manguaça, ou MM, desaparecida no Peru em 2003.
Depois de muitos abraços e lágrimas, Mari (Mari!) pediu pra que sentássemos no chão e eu fizesse uma cara palerma de cliente comum —seu patrão podia chegar a qualquer momento e ele não tolerava conversa mole em horário comercial.
Enquanto espalhava no tapete as cartas de tarô, minha amiga me contou em detalhes o que aconteceu com ela nos últimos 15 anos. O espaço é curto e sua saga é longa. Vou ter que pular algumas partes. Que o leitor a complete como achar melhor.
A caminho de Machu Picchu, Mari foi sequestrada por um falso xamã, que a levou pra sua aldeia, onde, em regime de semiescravidão, ela ajudou o povo do lugar a construir uma ponte de palha. Dois anos depois estava no deserto do Atacama casada com uma xamã mais ou menos verdadeira com quem abriu um café chamado Mercedes Luminosa. Mais uma volta no rocambole e encontramos MM em Curaçao, solteira e sem amigos, sobretudo sem dinheiro, numa crise de identidade que se mostrou “tonificante”.
Surge então a figura de Danilo, brasileiro como ela, dono de uma Kombi fúcsia dentro da qual rodaram a América Latina e numa noite de particular felicidade geraram a filha Rosa, hoje com oito anos.
Durante todo esse tempo tentou falar com a família, mas o telefone da casa da mãe só dava ocupado, o correio estava sempre em greve e sua religião não permitia o uso de computadores.
Agora combatia na FSA (Frente pela Sobrevivência da Ararajuba). Danilo, por sua vez, militava no MTTF (Movimento dos Trabalhadores sem Trabalho Fixo) e gostava de cantar Peppino di Capri no karaokê.
Perguntei o motivo daquele disfarce de vidente. Sua resposta não poderia ter sido mais desconcertante. Disse que não era disfarce mas um bico que ela fazia pra somar ao salário de professora de Sociolinguística Variacionista, pois o aluguel na Pamplona não estava bolinho e a escola de Rosa custava os olhos da cara.
Gastamos a tarde num botequim imundo, bebendo cerveja e maldizendo a vida, na luz selvagem de um país que se destrói.