Vida pública de Bolsonaro é demarcada por ideia da morte
A violência não basta a Jair Bolsonaro. Esse ir além é o traço só seu na conturbação que, por genética maldosa e incorreção educativa, assemelha o pai e os três filhos maiores.
Os desvios de dinheiro público verificados nos gabinetes parlamentares de Jair, Flávio e agora Carlos (as verbas de Eduardo ainda não foram examinadas) expõem sua íntima interação, por exemplo, na improbidade que em outros casos deu, e voltaria a dar, grandes escândalos de imprensa. Jair tem algo particular, porém, e apenas seu —que se saiba.
A vida pública de Jair Bolsonaro é demarcada por uma ideia persistente: a morte. Alheia. Provocada. Não importa de quem. Iniciante na carreira militar, sua estreia no noticiário se deu pela maneira como pensou em elevar os vencimentos dos tenentes. Não com um manifesto, greve, um movimento de solidariedade civil. Sua atitude foi ameaçar de explosão o abastecimento de água do Rio e de explodir quartéis, caso
não saísse o aumento.
Os danos à vida dos cariocas, com inestimáveis vítimas, e as mortes de oficiais e soldados eram indiferentes ao seu estado muito mais do que reivindicatório. A mesma ideia de vitimação de inocentes que ocorre a terroristas da Al Qaeda, do Estado Islâmico, do Boko Haram.
Afastado do Exército, em acordo de cúpula que o preservou da punição, e eleito por militares e suas famílias, na política Bolsonaro acompanhou a corrente integrada por policiais questionados e por ligados às milícias no Rio.
Sempre apoiado pelo mesmo segmento eleitoral, em Brasília ligou-se à bancada da bala e aos ruralistas. E deu continuidade ao uso da tribuna para a apologia dos crimes de morte da ditadura, torturadores, policiais degenerados e operações de extermínio. A relação dos Bolsonaros com milicianos estava aí anunciada.
Questões como saúde e educação nunca o interessaram. Já a tomada de terras indígenas, o morticínio de tribos por grileiros, madeireiros e policiais, a expulsão de favelados não deixaram de o animar: contra as vítimas, sempre na defesa da violência. A letal, sobretudo. Trinta anos de vida mansa, egocêntrica, desumana em muitos sentidos.
A campanha à Presidência é de memória recente, impossível esquecer um candidato cujo simbolismo era a pose de mocinho ou de bandido com a mímica de pistoleiro. Por escolha sua, de prazer aberto no rosto, sem distinguir lugares e ocasiões. Nas palavras, de variação muito limitada, sempre a difusão das armas letais, a validade da morte alheia a pretexto de defesa, a promessa prioritária de armar os civis. Programa para saúde, educação, retomada do crescimento, emprego —nada, isso seria programa para vida.
Empossado, Bolsonaro orgulhou-se de fazer a primeira amputação do Estatuto do Desarmamento como ato inicial de “governo”. Mais armas, mais assassinatos. O segundo ato da política de mortes visou à impunidade do proprietário de terra que mate ou mande matar invasores. É o inovador direito de ser assassino.
A nova amputação, já quase extinção, do Estatuto do Desarmamento veio, agora, acrescentando à função liberatória aberrações não esperáveis nem de Bolsonaro. Porte de arma para repórter de assuntos policiais é atrair tiros sobre jornalistas, o que poderia dar aos Bolsonaros alguma sensação de justiça à sua maneira, mas demonstra ignorar também o que são jornalismo, repórter e imprensa.
Liberar para menores de idade o uso de armas em clubes de tiro, pendente só de autorização paterna ou do responsável, é um incentivo combinado à criminalidade e à deseducação. É perto do inacreditável. Uma indústria de vocacionados para a violência, de recorrentes a armas, de maníacos da morte. Tudo isso em uma só pessoa —do que temos exemplo.
Cá em minha vida longa, desconfio muito dessa liberação de posse e porte de armas, e estoque de munição, para “dar direito à defesa pessoal”.