Violência doméstica e exploração infantil provocam fuga escolar em Guarulhos
A violência doméstica e a exploração infantil estão levando crianças e jovens a abandonar os estudos em Guarulhos, na Grande SP. Esses são os principais motivos dos alunos que deixaram de estudar em um colégio da rede estadual da cidade no primeiro semestre. No geral, 10% dos alunos abandonaram as aulas no período.
As informações são da diretoria da Escola Estadual Brigadeiro Haroldo Veloso, que fica na região do bairro São João, e conta com estudantes na faixa etária entre 11 anos e 17 anos.
No primeiro bimestre deste ano, 17 estudantes abandonaram os estudos na unidade. Nos dois meses seguintes, a mesma quantidade deixou de frequentar as salas de aula e, no terceiro bimestre, foram mais 10.
No total, foram 44 abandonos, dos quais 30 se deram por causa de violência doméstica e exploração infantil. A escola não informou dados sobre o ano passado, pois diz que houve mudança da diretoria e os dados referentes ao período ainda são organizados.
Do total de estudantes que deixaram de frequentar a escola no bairro São João, cinco retornaram, devido a trabalhos de orientação desenvolvidos pela diretoria.
Uma delas é uma jovem de 17 anos que abandonou os estudos em 2016, mas voltou neste ano por incentivo dos professores.
Ela foi vítima de violência com 13 anos, quando começou a namorar seu agressor, um técnico de refrigeração atualmente com 19 anos. Em 2015, perdeu um ano de estudos por conta das faltas, provocadas pelos ciúmes do então namorado. "Ele não gostava que eu frequentasse a escola.”
As ofensas e ameaças, inclusive de morte, se tornaram constantes, ao ponto de a jovem não querer mais ficar com o namorado, com quem vivia depois de ficar grávida. Em maio deste ano, quando o filho tinha dez meses, ela disse que não queria manter o relacionamento.
“Ele puxou meu cabelo, me deu um soco no rosto e pegou uma faca. Quando se aproximava para me esfaquear, minha mãe entrou e impediu”, conta.
A mãe da jovem, a dona de casa Deise Cristiane da Silva, 37, acionou a polícia. O caso foi registrado como lesão corporal. A Justiça determinou que o agressor mantenha 300 metros de distância da estudante e da mãe dela.
Chorando, a jovem de 16 anos afirmou à reportagem que apanhou pela primeira vez do pai quando tinha 10 anos. Ele a chamava de “p...” e de “vagabunda”.
O pai, diz ela, chegava bêbado em casa, após trabalhar vendendo doces, em semáforos, alegando que a filha era “preguiçosa”. Por esse motivo, a agredia, geralmente usando uma mangueira de borracha.
Por conta das marcas de violência, a garota deixava de frequentar as aulas, porque sentia vergonha. A jovem chegou a pensar em abandonar os estudos, mas voltou após ser incentivada por seus professores.
Há dois anos, o pai agressor “se converteu” e começou então a frequentar uma igreja evangélica. Porém agrediu a jovem há cerca de dois meses, por conta de um culto religioso.
A vítima, que tem ainda nos braços cicatrizes de agressões, acabou indo ao culto, mas, como não se sentou ao lado do pai no templo, foi agredida por ele, que usou uma mangueira, quando chegaram em casa. “Ele disse que eu sou irresponsável.”
‘MONSTRO’
Uma estudante de 14 anos afirmou que “o problema dela é mais específico”, pois a mãe, desempregada de 39 anos, a agride verbalmente. “Desde que eu me lembro, ela tem preferência de filho. Sempre me chama de lixo e de inútil”, diz. A jovem tem duas irmãs mais velhas e um irmão mais novo.
Ela diz que a falta de atenção da mãe a desestimulou para muitas coisas, levando-a desistir de estudar. Porém, por conta do trabalho de orientação do colégio, se animou a voltar a estudar e agora participa de toda as atividades da unidade de ensino, incluindo mutirões de limpeza. “Adoro estar aqui”, afirma.
Ela diz ainda que foi assediada por um “irmão” da igreja que frequentava e que a mãe ficou do lado do agressor. “Ele [assediador] falou que queria transar comigo. Ele é casado. Contei para meus pastores e para minha mãe, mas eles ficaram do lado do homem que me assediou”, diz a jovem.
A garota afirma não amar a mãe. “Eu não amo ela mesmo não, porque ela não é minha mãe, ela é um monstro”, diz.
Tatiane Ricci, especialista em educação especial e diretora da escola Haroldo Veloso, acompanha todos os casos. Ela diz que o colégio “é um porto seguro” para parte dos estudantes, que convivem com a violência. “A escola se torna um local de fuga, onde os alunos vêm para comer, desabafar, para fazer tudo. Percebemos muito a importância da escola para eles, principalmente para as meninas”, diz.
A coordenação faz trabalhos de acompanhamento, acionando o Conselho Tutelar quando necessário, para que crianças e jovens se sintam seguros e continuem a frequentar as aulas.
Por causa dos relatos, o professor de filosofia e psicólogo Erivaldo Pereira dos Santos, o professor Wall, desenvolveu, em parceria com outros educadores, um projeto para que os estudantes produzam peças teatrais nas quais a violência doméstica é “fonte de inspiração”.