Eleição de novo imortal gera mobilização rara na Academia Brasileira de Letras

Eleições na ABL (Academia Brasileira de Letras) costumam ser previsíveis como as estações do ano —é comum que, ainda no velório de um acadêmico morto, já se tenha ideia de quem será seu sucessor.

Por isso, a votação que os imortais realizam na tarde desta quinta (30), para escolher o sucessor de Nelson Pereira dos Santos, morto em abril, chama a atenção.

No páreo, em um aparente empate, estão o cineasta Cacá Diegues e o colecionador e pesquisador Pedro Corrêa do Lago. Desta vez, só se saberá quem é o novo imortal depois dos votos.

A rotina na instituição também costuma ser acompanhada com indiferença pelo público, mas agora também é diferente. Uma campanha corre na internet pela eleição de Conceição Evaristo, autora de "Ponciá Vivêncio".

A petição pela escolha de Evaristo, com 25 mil assinaturas, tem carga política: defende a eleição de uma escritora negra para aumentar a representatividade entre os imortais.

Salvo alguma surpresa, a autora não tem chances. E sabe disso, como comentava, no dia 25/7, no coquetel dos autores da Flip, após tirar uma foto com Corrêa do Lago. Na ocasião, ela criticava a ABL e dizia esperar que sua candidatura servisse para provocar um debate.

De fato, a ABL, à exceção de Domício Proença Filho, é composta majoritariamente por brancos —mas vale lembrar que já teve outros negros em seus quadros, caso de Machado de Assis, seu fundador, e de João do Rio.

A academia, contudo, nunca teve uma mulher negra entre seus membros.

Nos bastidores, os imortais não gostaram nada da campanha, considerada por eles uma tentativa de intimidação.

Além disso, a ABL tem seus rituais, o que inclui uma corte discreta aos acadêmicos pelo candidato.

É preciso escrever a eles, em geral um telegrama, comunicando o interesse de se candidatar, e ir aos eventos da instituição. Evaristo não cumpriu essas etapas.

A campanha dela, contudo, traz um paradoxo em si.

A partir da segunda metade do século 20, a noção de um cânone literário passa a ser questionada e esse grupo de autores é acusado de formar um clube de homens brancos privilegiados.

O resultado é que, hoje, pelo menos até a próxima mudança de rumo, cânone tornou-se um conceito fora de moda. Seus defensores são poucos e solitários, enquanto seus opositores mostram grande articulação e capacidade de pressão política.

Como consequência, instituições como a ABL, filiadas desde sua origem a esse conceito e mediadoras da construção do cânone, perderam influência na sociedade.

O movimento por representatividade na literatura promoveu, nesse cenário, a construção de canais alternativos de reconhecimento, buscou novas mediações.

Diante desse histórico, a campanha por Evaristo soa contraditória: ao contrário do que os movimentos por inclusão vinham fazendo, ela reconhece na ABL legitimidade para decidir quem merece a glória literária.

O que é questionado, então, não é a suposta autoridade dos imortais para legislar sobre o bom gosto intelectual. É como se bastasse um ajuste na diversidade para resolver todos os dilemas, sem precisar tocar nas questões de fundo.

Por isso, a campanha morde o próprio rabo e acaba por fortalecer um espaço que os próprios militantes veem como de exclusão.

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