Em 'Aprendizados', Gisele Bündchen mostra que é humana, mas inalcançável

Logo nas primeiras páginas do seu livro, “Aprendizados. Minha Caminhada para uma Vida com Mais Significado”, que chega às livrarias nesta segunda (15), Gisele Bündchen afirma que a obra não tem caráter educativo: “As lições deste livro não são regras.” Ainda bem. Quem tentasse fazer dele um manual de instruções provavelmente terminaria chorando. É impossível ser como Gisele, tanto na vida profissional quanto na pessoal, mostram as 240 páginas de histórias.


O livro começa como um olhar sóbrio sobre o mercado da moda. Gisele despe o ofício de qualquer glamour e admite que sua profissão nunca passou disso: uma profissão. “Modelar nunca foi minha paixão nem minha identidade. Foi uma oportunidade que apareceu quando eu era bem jovem, e eu a abracei.”
A gaúcha de 38 anos afirma que seu trabalho só vingou por causa da disciplina. Um capítulo inteiro, inclusive, se debruça sobre ética profissional. Diz que chegar no horário e trabalhar 12 horas por dia pode ter sido o diferencial que a fez se destacar. 


Ela afirma que poderia ter sido veterinária ou jogadora de vôlei, com a mesma dedicação. Uma mulher de negócios desde garota, ela descreve a ideia fixa de comprar um imóvel o quanto antes, caso a carreira não despontasse. Em 1999, comprou o primeiro apartamento, em Nova York. Um lugar “pequeno e sem luz”, mas em TriBeCa, um dos bairros que mais se valorizou na cidade nas últimas décadas.
A carreira despontou, e durou mais de 20 anos. Em 2015, ela anunciou a aposentadoria das passarelas. Mas continua estrelando campanhas publicitárias e fazendo ativismo ambiental —é embaixadora da boa vontade do Programa das Nações Unidas pelo Meio Ambiente. “Eu trabalho quase tanto quanto antes, mas viajo menos”, escreve. “A mesma disciplina que me serviu a vida toda agora é usada para ser a melhor esposa [ela é casada com Tom Brady, astro do futebol americano] e a melhor mãe que eu posso ser.” 


Há muita autoajuda chapa-branca no livro, mas há também passagens biográficas sinceras e, por isso, engraçadas, como seu encontro com a cadela que a acompanhou por mais de uma década, à venda no Upper East Side, bairro rico de Nova York. A modelo levou Vida sem perceber que o filhote havia custado US$ 3.000, e não US$ 300, como ela pensou ter visto na etiqueta.


Além de boas histórias, o livro é vincado por uma temática ambientalista e momentos de feminismo. Em uma passagem, Gisele escreve: “A maioria das pessoas me conhece como uma imagem. Uma tela em branco em que elas podem projetar suas histórias sonhos e fantasias.” E aproveita o ensejo para passar uma mensagem: “Por 23 anos eu fui uma imagem sem voz. E tenho isso em comum com muitas mulheres. A maioria de nós não ouve que nossas vozes são desmerecidas de serem ouvidas?”.


A modelo, que por anos foi conhecida como The Body, ou “o corpo”, também escreve que não se sente à vontade quando ouve alguém dizendo que queria ter sua silhueta. “O corpo que tenho é aquele que me foi dado.” Afirma que não fazia dieta quando era jovem, mas que mais tarde foi vítima da idealização. Após ouvir que a maternidade havia feito seus seios diminuírem, recorreu a uma cirurgia plástica, que classifica como “uma das decisões mais incômodas de uma vida”.


Mas, se o intuito não é vender um estilo de vida que leva a um corpo Gisele, para que repetir em dois capítulos diferentes a receita do suco verde predileto da maior modelo do mundo? Gisele se diz desconfortável com o fato das pessoas projetarem em seu corpo um ideal, mas sua escrita só faz corroborar com o endeusamento dos seus hábitos — ela narra como coloca na boca uma colher de óleo de coco orgânico assim que acorda, e faz um gargarejo enquanto se veste e abre a porta para os cachorros brincarem no quintal, e só então cospe. 


Há muita fetichização sobre o cotidiano da autora. Ela conta que come carne duas vezes por mês e frutos do mar semanalmente e duas vezes por semana jejua até o almoço. Se é impossível ser Gisele Bundchen, por que o livro esmiúça seus hábitos?


A vida de Gisele é inalcançável até para o natureba mais abastado do Arpoador ou o hippie mais do bem da Vila Madalena. Ela surfa com golfinhos às cinco da manhã quando está na sua casa de veraneio, na Costa Rica. Planta no quintal da casa de Boston os vegetais e temperos. Deu à luz em uma banheira cercada por velas, embalada por músicas do cantor Krishna Das.
Talvez seja difícil para uma pessoa que ganhou projeção como modelo deixar de se colocar como um ideal, mesmo quando está escrevendo.

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