Reduto de brasileiros próximo a Boston propõe estabelecer políticas de proteção a imigrantes
Enquanto o presidente Donald Trump declara emergência nacional nos Estados Unidos para construir um muro na fronteira com o México e deter a imigração ilegal, uma cidade de Massachusetts propõe não só dar boas-vindas, mas também estabelecer políticas de proteção aos que vêm de outros países.
A cidade é Framingham, a 36 quilômetros de Boston, capital do estado. Framingham tem uma população estimada em 72 mil habitantes, segundo o Censo americano. Desse total, 26,8% nasceram fora dos Estados Unidos, o que dá em torno de 19,3 mil pessoas —só os brasileiros seriam cerca de 9.000, entre legais e ilegais.
Diante desse contexto, a vereadora democrata Margareth Shepard, 60, apresentou, na Câmara local, uma proposta de criar uma força-tarefa para delinear políticas para receber bem esses imigrantes.
A intenção é construir uma relação de confiança com as autoridades para que eles não temam relatar crimes à polícia por medo de serem deportados. A proposta foi aprovada por unanimidade, com nove votos, em 19 de fevereiro.
Shepard, nascida em Goiás, tem ela própria uma história nos EUA que começou com uma imigração ilegal, em 1992. Depois de trabalhar como babá, passou a fazer serviços domésticos. Em novembro de 2017, ela se tornou a primeira brasileira eleita a um cargo político no país.
“A raiz da proposta é minha história. Queremos que toda prestação de serviço da cidade seja preparada para atender os imigrantes”, diz.
A força-tarefa será formada por três vereadores e um representante do escritório da prefeita, Yvonne Spicer. Haverá ainda um membro da comissão de educação, um do departamento de polícia, dois moradores indicados pela prefeita e um do MetroWest Legal Services, de apoio legal a pessoas de baixa renda.
A prefeita Spicer presidirá o grupo, que não tem prazo para concluir seus trabalhos. A comunidade será ouvida e, depois, os representantes da força-tarefa vão desenhar uma proposta, que volta para votação na Câmara.
A atuação policial em casos de infração cometida por esses estrangeiros, em especial os que não têm status legal para ficar nos EUA, será um dos pontos debatidos. “Queremos assegurar que o ICE [Serviço de Alfândega e Proteção das Fronteiras] não será chamado caso algum ilegal seja detido por violação no trânsito ou por denunciar violência doméstica, a não ser que já exista um registro criminal dessa pessoa”, afirma Shepard.
A polícia de Framingham, segundo a vereadora, assegura que não colabora com o ICE. “Mas queremos que isso seja garantido pela legislação, para que as pessoas não tenham medo de denunciar caso testemunhem um crime e não tenham receio de responder às informações do Censo de 2020.”
O próximo levantamento demográfico americano está mergulhado em polêmica, gerada pela inclusão de uma pergunta sobre cidadania, o que poderia desestimular ilegais a responder às questões. O Censo é usado para definir o número de representantes de um distrito e distribuir recursos do orçamento. Distritos com população maior recebem mais assentos na Câmara dos Deputados e mais dinheiro federal.
A iniciativa de Shepard foi elogiada por organizações que trabalham com imigrantes. A Maps (Massachusetts Alliance of Portuguese Speakers) diz ser favorável a “qualquer medida que reforce a confiança entre imigrantes e as instituições locais.”
Para o padre Volmar Scaravelli, fundador da organização sem fins lucrativos Brace (Brazilian-American Center), a força-tarefa é importante para combater a retórica anti-imigrante de Trump.
Mas um morador da cidade, Joe Rizoli, manifestou seu desagrado com a decisão. Ao jornal local MetroWest Daily News, questionou os motivos de Shepard —além de vereadora, ela tem uma empresa de serviços domésticos que, de acordo com ele, poderia vir a empregar imigrantes. “O que a sra. Shepard está fazendo é pedir à cidade para violar lei federal.”